O ‘boom’ da China acabou?

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Depois de um bom começo de ano para a economia da China após o relaxamento das restrições contra a Covid-19, a segunda maior economia do mundo vem perdendo impulso e isso gerou temores sobre o dinamismo da economia que vem sendo o motor do desenvolvimento global.

Desde abril, uma série de dados econômicos e estatísticas populacionais decepcionantes tem gerado preocupações de que a China possa estar enfrentando um período de crescimento muito mais lento e possivelmente até caminhando para um futuro comparável ao do Japão.

“A China trouxe capacidade produtiva de outros países e isso trouxe muita tecnologia para eles e gerou certa dependência chinesa pelo mundo inteiro”, diagnostica o operador de renda variável da Manchester Investimentos, Thiago Lourenço. “O que vemos agora é naturalmente um país com essa economia tão grande fica cada vez mais difícil crescer a essas taxas de antes porque boa parte das necessidades básicas da população já foram atendidas.

Segundo ele, o cenário externo também prejudica o desempenho econômico do país, com a demanda dos países centrais cada vez menor em meio às políticas restritivas adotadas pelos bancos centrais de Estados Unidos e Europa.

“A China também não consegue manter um ritmo de crescimento se ela não tem uma força consumidora mais tão forte internamente e o mundo afora também está com uma capacidade de consumo um pouco mais baixa”.

Nos últimos meses, uma série de membros do governo têm prometido publicamente fazer mais para impulsionar a economia em desaceleração, geralmente prometendo apoiar o combalido setor privado. O setor imobiliário é um dos mais importantes na China, mas vem passando por uma de suas maiores crises.

“O modelo chinês é mais parecido com uma mescla do sistema brasileiro: as construtoras por si só financiam muito. Elas são as tomadoras de crédito e elas assumem muito o risco”, explica o operador. “Então tem uma certa independência entre o setor imobiliário e o financeiro e o risco é menor de ter um impacto tão grande no setor financeiro como foi nos Estados Unidos, mas com certeza é um driver que vamos ter que acompanhar com cuidado”, conclui.

Do lado do crescimento do país, o Banco Mundial anunciou uma revisão significativa em sua previsão de crescimento para o próximo ano, especialmente por conta da crise imobiliária, que ameaça prejudicar sua estabilidade econômica e impactar países vizinhos. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chinês para 2024 foi reduzido para 4,4%, abaixo dos 4,8% previstos anteriormente em abril.

A China experimentou taxas de crescimento robustas nas décadas anteriores à pandemia, com um crescimento anual de cerca de 6% a 7% no final da década de 2010. No entanto, em 2020, a economia sofreu um golpe, crescendo apenas 2,2% devido aos impactos da Covid-19. Embora tenha se recuperado para 8,4% em 2021, a política rigorosa de “Covid-zero” implementada pelo governo chinês levou a uma desaceleração para 3% em 2022, afetando negativamente as atividades empresariais.

Especialistas apontam que o rápido crescimento anterior da China foi impulsionado principalmente pelo investimento em infraestrutura e propriedades, o que resultou em uma dívida substancial para empresas e governos locais. Com infraestruturas saturadas e um excesso de oferta de habitação que reduziu os preços dos imóveis, o país enfrenta agora os desafios de ajustar seu modelo econômico.
“Para termos uma perspectiva, a economia da China tinha cerca de 77% do tamanho da economia dos Estados Unidos em março de 2022. Hoje, está mais próxima dos 68%. O que começou como um crescimento anêmico está se tornando uma implosão total”, dizem EJ Antoni, pesquisador do Grover M. Hermann Center e Pedro Santo Onge, pesquisador do Roe Institute for Economic Policy Studies.
Segundo eles, o crescimento de apenas 5% é “medíocre para um país ’em desenvolvimento’ e profundamente decepcionante para os chineses, que se habituaram a um crescimento milagroso”.

Para os pesquisadores, as ações tomadas até agora pelo governo chinês não são suficientes para compensar a população chinesa, que enfrentou rigorosos confinamentos devido à covid-19 e testemunhou uma rápida mudança nas políticas governamentais, sem explicação adequada. “Isso deixou claro para muitos chineses que Pequim não sabe o que está fazendo e que os fracassos do governo podem ser – e muitas vezes são – catastróficos”, dizem Antoni e Onge.

A questão que se coloca agora, segundo os especialistas, é se o declínio econômico contínuo da China servirá como um aviso global, levando à mudança de hábitos e estratégias econômicas, ou se será ignorado, arriscando resultados semelhantes em outros lugares.

Outro ator que chama as atenções com suas decisões é o Banco do Povo da China (Pboc, o banco central do país). Analistas acreditam que ele deve relaxar a política monetária daqui para a frente em sua tentativa de estimular uma recuperação econômica no país, mas suas medidas não serão tão agressivas como o mercado gostaria.

Em agosto, o PBoC cortou sua taxa de Mecanismo de Empréstimo de Médio Prazo de 1 ano (MLF, na sigla em inglês) em 0,15 ponto percentual (pp) para 2,5%. No mês seguinte, o órgão reduziu a porcentagem de reservas obrigatórias (RRR, também na sigla em inglês) em 0,25 pp, para uma média de 7,4%.

Enquanto o primeiro serve para estimular crédito, a segunda medida atua para liberar a liquidez dentro do país. “Dada a dinâmica econômica ainda fraca e o PBoC querendo uma recuperação mais forte, é possível que eles cortem mais 0,20 pp no MLF e 0,25 pp no RRR até o fim deste ano”, explica Julian Evans-Pritchard, diretor de Economia Chinesa no Capital Economics.

No entanto, com o ritmo dos estímulos em marcha lenta, a procura de crédito tem sido baixa. “Os dados mostram que os empréstimos estão tão baixos quanto na pandemia de covid-19”, diz Evans-Pritchard. “O PBoC tem uma preferência institucional por movimentos políticos moderados”, explica o chefe regional de pesquisa em Ásia do ING, Rob Carnell.

“Mas a principal razão para a sua recente cautela é a preocupação de que uma flexibilização em grande escala desencadeie um maior enfraquecimento do iuane, que atingiu o mínimo de 16 anos em relação ao dólar norte-americano”, diz.

O atual problema chinês pode ser explicado pela dependência do país em plataformas de financiamento local (LGFV, na sigla em inglês). O mecanismo permite que os governos locais realizem empréstimos junto a bancos ou outros financiadores para promover melhorias de infraestrutura.

No entanto, a bolha que se formou (e vem estourando recentemente) ocorreu porque os investimentos não davam retorno, fazendo com que os governos tivessem que realizar mais empréstimos para pagar suas dívidas.

“Para não causar uma grande crise sistêmica, tanto o PBoC quanto o governo estão realizando uma lenta reconstrução de crédito no país. Isso, naturalmente, diminui muito o lucro dos bancos e aperta ainda mais as condições de crédito”, conta Carnell.

“Como resultado, as dificuldades de financiamento serão provavelmente repartidas por vários anos – o que limita o risco de uma crise sistêmica, mas teremos um período prolongado de ajustamento e de concessão de crédito limitada, o que resultará em um crescimento econômico mais fraco”, conclui ele.

Reportagem: Darlan de Azevedo, Larissa Bernardes e Julio Viana / Agência CMA
Edição: Vanessa Zampronho / Agência CMA