O que esperar da Bolsa após os resultados do primeiro trimestre?

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Analistas apontam suas apostas em setores e empresas e os aspectos a observar após os resultados do primeiro trimestre

 

São Paulo, 23 de maio de 2022 – Com o fim da temporada de resultados do primeiro trimestre de 2022 das companhias com ações na Bolsa, o mercado apresenta suas avaliações e recomendações de acordo com expectativas de curto e longo prazo.

 

Os resultados reportados mostraram que, entre janeiro e março, as companhias brasileiras se beneficiaram e alcançaram um valor de mercado muito atrativo se comparados com os pares internacionais, o que impulsionou a Bolsa. Nos três primeiros meses do ano, as ações tiveram um excelente desempenho, amparadas pela entrada de capital estrangeiro e valorização das commodities, mas os ganhos foram arrefecidos entre os meses de abril e maio devido à piora do cenário global.

 

Uma análise da XP divulgada perto do fim da temporada, quando 88% das companhias do Ibovespa divulgaram os seus números do período apontou que as projeções de lucros para daqui a 12 meses, 2023 e 2024, foram revisados pra cima ao longo do trimestre. Porém, incertezas em relação ao crescimento econômico da China, que enfrenta o pior surto de Covid-19 desde 2020, levaram as projeções a começarem a cair marginalmente. Além disso, por conta de um macro doméstico ainda desafiador, o mercado espera um desempenho misto nos resultados das empresas nesse primeiro trimestre de 2022, segundo a XP (veja gráfico abaixo).

 

Entre os fatores que impulsionaram os negócios, os especialistas apontam: rotação global de ações de crescimento para ações de valor; forte exposição do país a commodities e bancos; valores de mercado muito atrativos; fluxos de outros mercados emergentes para o Brasil; fim do seu ciclo de alta de juros, enquanto o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e outros bancos centrais de mercados desenvolvidos estão apenas começando a subir os juros.

 

Mas, mais importante do que analisar os números do trimestre, os especialistas contam o que esperar das empresas no atual cenário internacional e local marcado por inflação alta, conflito entre Rússia e Ucrânia, riscos de uma política monetária mais apertada, disparada de preços de commodities de energia e de alimentos, desaceleração da economia e eleições no Brasil, cautela é a palavra de ordem no mercado de renda variável. “O maior risco da renda variável é a questão macro e enquanto perdurar esse problema global, sugerimos bastante cautela para quem for tomar risco porque a volatilidade está bem acima da média”, comenta o head de renda variável da Diagrama Investimentos, Ricardo Leite.

 

“Mas o que era mais esperado pelo mercado mesmo eram os discursos das empresas para falar do ano, porque, bem diferente do que foi em 2021, tivemos inflação alta, uma perda de renda, inadimplência crescendo, temos uma alavancagem das famílias e juros mais altos no Brasil, lá fora, tem gargalos logísticos, covid na China, enfim, muitas coisas acontecendo que são diferentes do ano passado e é importante saber como as empresas vão reagir a tudo isso”, comentou o chefe de investimentos da Ativa Investimentos, Pedro Serra, em entrevista ao CMA Entrevista, programa da Agência CMA que tem como objetivo discutir os rumos do mercado financeiro e debater pontos que podem vir a interferir neste caminho. Confira abaixo a íntegra da entrevista:

 

APOSTAS

 

Além de escolher setores resilientes ao cenário econômico doméstico desafiador, o investidor terá que acompanhar a trajetória dos juros no exterior, a guerra na Ucrânia, inflação recorrente e, principalmente, o fluxo de investidores estrangeiros em nosso mercado de ações para escolher em quais papéis investir. “Bancos, mineração, frigoríficos e petróleo devem ser os mais procurados”, acredita Pedro Galdi, da Mirae Asset.

 

Por aqui, os vetores de curto prazo ficam com inflação vs. Selic e fluxo de investidores estrangeiros. “No segundo semestre teremos eleição, com probabilidade de maior volatilidade em nosso mercado financeiro. A oportunidade fica justamente com a queda acentuada do Ibovespa em abril, que trouxe os preços de ações para patamares novamente atrativos”, acrescenta Galdi.

Pedro Galdi, analista de investimentos da Mirae Asset

A retomada das atividades com a pandemia mais branda também traz boas perspectivas para os setores aéreos, de entretenimento, alimentação e consumo com foco na alta renda. O fator principal para o aquecimento desses setores é a volta das atividades presenciais devido à melhora da pandemia e à eficiência das vacinas.

 

Por outro lado, o cenário macro interno ruim de inflação, juros, desemprego e eleições deve comprometer os resultados das empresas de varejo e construção voltadas ao segmento de baixa renda, que vieram com números fracos no primeiro trimestre, além de empresas de tecnologia e small caps (empresas de baixo valor de mercado).

 

“Com essa taxa de juros alta, e com perspectiva de continuar subindo – não vimos o fim do túnel da inversão dessa curva -, o investidor tem que ficar de fora de empresas que demandam muito capital e crédito”, afirma o CEO do escritório de investimentos Axia Investing, Antonio Marcos Samad Júnior.

 

O head de renda variável da Diagrama Investimentos observa que, apesar desse ambiente mais difícil global, os investidores que aplicarem em renda variável, se posicionando nas ações no médio e longo prazo poderão colher bons frutos. “O investidor deve olhar o projeto da empresa, entender o que ela está se dispondo a fazer que gere crescimento de base de cliente e de receita, margem sólida, distribuição de dividendos e acompanhar os resultados trimestrais pelos próximos dois anos para poder realizar aportes com certa fluidez.”

 

“Os resultados como um todo mostram que as empresas não estão indo para um viés negativo, ou vieram dentro do esperado ou até surpreendendo. Algumas ações estão muito baratas”, disse o chefe de pesquisa da Ativa Investimentos.

 

Uma dica é avaliar as empresas que de fato entregaram lucro recorrente e ver se elas podem repetir esta performance. “Perceba se as empresas têm capacidade de entregar lucro recorrente”, aconselha Enrico Cozzolino, head de análise e sócio da Levante Ideias de Investimentos.

 

“É um ano de volatilidade e que vai demandar agilidade tanto em renda fixa como em renda variável. A dica é buscar por setores e empresas com margens confortáveis para expandir em uma eventual melhora ou defender em uma eventual piora. Já com a inflação, um pico nas pressões inflacionárias tende a colaborar para os juros e dar um ânimo em setores mais locais”, conclui o CEO da Apollo Investimentos, João Guilherme Penteado.

 

Confira a seguir os setores mais citados pelos analistas ouvidos pela Agência CMA para os investimentos e os pontos que devem influenciar o desempenho das companhias nos próximos meses.

 

Commodities

 

O mercado de commodities – que engloba petróleo, mineração, siderurgia, alimentos – teve um pico de valorização no primeiro trimestre e está sendo afetado desde fevereiro pelo conflito entre Ucrânia e Rússia, e pelas restrições impostas pela China no combate à pandemia. Mas, caso a normalização volte rápido, o mercado espera por uma demanda forte por commodities.

 

“Os preços já subiram forte, mas uma queda acentuada, não seria compatível. O minério e petróleo devem ficar na casa de US$ 100. O setor de celulose está em crescimento na Ásia, carnes devem se sustentar em patamar elevado, grãos ajustes para baixo, mas ainda assim, acima da média histórica”, comenta Pedro Galdi, da Mirae Asset.

 

Com isso, as principais ações do Ibovespa – Vale e Petrobras, que representam quase 30% das ações do principal índice da Bolsa brasileira – devem se valorizar.

 

Petróleo e mineração

 

O setor de petróleo, que tem como principal representante na Bolsa a Petrobras, deve continuar a brilhar, apesar da insatisfação pública com o preço do combustível, ruídos políticos em relação à privatização da companhia e mudanças em sua política de preços atrelada à cotação internacional do petróleo e do dólar.

 

A grande atratividade da empresa é explicada por sua forte distribuição de lucros aos acionistas. No primeiro trimestre, a estatal petrolífera reportou lucro líquido de R$ 44,5 bilhões e R$ 48,5 bilhões em dividendos. No pior momento da pandemia, a estatal bateu R$ 8 e agora está em patamares de R$ 34 e R$35. “A gente vê espaço para chegar nos R$ 45 com certa tranquilidade devido ao resultado que vem apresentando, pela melhoria de governança e paridade de preços. A empresa está gerando bons lucros se comparar com ações de outras petroleiras mundiais”, comentou Leite.

Ricardo Leite, head de renda variável da Diagrama Investimentos

Para o  head de análise e sócio da Levante Ideias de Investimentos, Enrico Cozzolino, o uso de petróleo deve continuar em alta e que a guerra da Rússia foi só mais um choque para o cenário instável do petróleo, que deve perdurar mesmo após o fim do conflito. “Muita gente [está] apostando contra o petróleo, achando que a guerra da Ucrânia vai acabar. Vai, não sei quando, mas o petróleo não vai voltar a 50 dólares neste ano, na minha projeção”, opina.

 

A corretora Ativa tem uma visão altista para os setores de petróleo e mineração, pois acredita que os impactos dos lockdowns na China não serão eternos. Em 15 de maio, inclusive, a corretora elevou a recomendação da mineradora Vale de neutro para compra por considerar que a ação está descontada e que, com a reabertura do mercado chinês, ela poderá valorizar. Já o setor de siderurgia não deve ter a mesma sorte, na visão do analista.

 

Açúcar e Etanol

 

Para o head de renda variável da Diagrama Investimentos, as companhias de commodities agrícolas de açúcar e etanol podem ser as grandes propulsoras da economia em 2022, pois elas não são impactadas pelos lockdowns na China, como acontece com as de mineração e siderurgia. “Muito mais importante do que o resultado, é o guidance (projeção) para os três trimestres do ano e, a partir disso, olhamos para os pontos de recuperação da economia brasileira. Existem investimentos com as captações de renda fixa, vários lançamentos de alguns Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) para fazer expansão de plantas e isso impulsiona o setor”, disse Leite.

 

Energia

 

Em um cenário de incertezas, o básico volta a ser valorizado e reforça a importância das commodities e setores como o de energia. Para Enrico Cozzolino, as elétricas conseguem direcionar melhor os custos do que companhias de outros setores. “Talvez com um repasse do preço [ao consumidor final] essas empresas sofram menos com a alta dos juros do que uma varejista, por exemplo. A pessoa não vai comprar, seja na loja física ou e-commerce, se o poder compra dela está menor.”

 

Proteínas

 

O segmento registrou resultados favoráveis no primeiro trimestre, mas o que chama a atenção são os guidances com demanda mais fraca para suínos e aves no Brasil que, no entanto, são compensados por uma melhora nos Estados Unidos. No entanto, o impacto dos lockdowns para conter o coronavírus na China, que começou no final de março, devem impactar os resultados do segundo trimestre.

 

Os frigoríficos brasileiros que exportam para os Estados Unidos devem ter uma pressão de margens neste mercado por conta da mudança do ciclo do boi, do aumento da inflação e da escassez de mão-de-obra.

 

BANCOS

 

As altas taxas de juros favorecem os grandes bancos – Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander – que reportaram resultados muito consistentes no início do ano e mostraram que suas provisões foram suficientes para conseguir cobertura e solidez nos resultados diante da preocupação com uma possível alta inadimplência no segmento de pessoas físicas. “O setor bancário veio bem em linha com o que a gente imaginava mesmo com todos os riscos políticos. O Banco do Brasil, por exemplo, tem uma carteira de crédito agrícola e consequentemente teve um resultado um pouco mais positivo”, comenta o analista da Diagrama.

 

Na visão de Cozzolino, da Levante, mesmo com resultados piores do  que nos anos anteriores, os bancos ainda estão entregando lucros e distribuindo dividendos. “Ainda que tenha riscos por ser estatal, o Banco do Brasil é uma ação que vale a pena investir”, acrescenta.

 

RECOMPRA DE AÇÕES

 

Em todo esse cenário, muitas empresas estão recomprando suas ações, como é o caso da Vale, porque acreditam no próprio projeto de médio e longo prazo. “As empresas estão aproveitando que suas ações estão com um valor muito abaixo do que elas acreditam ser o valor correto e recompram [os papéis] para depois soltar para o mercado quando estiverem em patamares mais justos e poderem se capitalizar”, enfatiza o head de renda variável da Diagrama Investimentos.

Soraia Budaibes, Camila Brunelli e Emerson Lopes / Agência CMA

Edição: Cynara Escobar (cynara.escobar@cma.com.br)

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