São Paulo – Como o foco dos bancos têm sido em renegociar o crédito velho e nem tanto o crédito novo, gerando assim muita reclamação das pequenas e médias empresas e até de pessoa física, devido ao risco de inadimplência, a expectativa é que no “novo normal” a oferta de crédito será mais restrita.
“O papel dos bancos em todas as crises é retrair a oferta de crédito. Isso acontece devido ao aumento do spread que está alinhado a margem de lucro mais risco”, explica o sócio-diretor da Cronos Capital, Cidinaldo Boschini.
Segundo ele, o que os bancos estão fazendo é analisar setor a setor. “A empresa que procura crédito é de um setor que teve as operações paralisadas? Se sim, essas empresas não têm crédito. Se é uma empresa que não ficou parada, mas teve queda de receita e lucro os bancos estão restringindo”.
A mesma afirmação é corroborada pelo analista de instituições financeiras da S&P, Sergio Garibian. Para ele, os números significativos de renegociações estão concentrados no varejo. “O crescimento de crédito nos corporativos foi para fazer caixa. Já a pessoa física por medo da pandemia está evitando fazer endividamento, por isso a concessão é menor. Nesse segmento o crédito caiu”.
Por conta da restrição, Boschini alerta que existem grandes recursos em tesouraria de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e, por isso, estão emprestando a taxas muito elevadas que antes da crise era de 1,5% e 2%, e agora está em 2,4% a 4% ao mês.
“Quem tem linha de crédito mais vantajosa são empresas que não teve dificuldade na crise e possuem taxas disponíveis de 0,7% ao mês. São empresas que não precisariam tomar crédito. Como em toda a crise quem se beneficia são aquelas empresas com taxas vantajosas que ao invés de utilizar o capital próprio usa de terceiros”, analisa o sócio-diretor da Cronos Capital.
Garibian afirma que daqui para frente os bancos devem fazer renegociação setorial, ou seja, o que vem pela frente no corporativo é saber a realidade do cliente. “Um restaurante ficar 6 meses sem abrir como faz. Teve um relaxamento e as pessoas estão voltando então provavelmente fazer prorrogação de dívida por três meses para restaurante não dá. Terá que fazer provisões nesse sentido”.
Boschini ressalta ainda que quem precisa de fato está sofrendo muito, principalmente via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que ainda não chegou nos clientes de bancos privados.
“Para micro, pequeno e médio é muito difícil. Tem dificuldade com nova operação. Todos os bancos estão focando em renegociações antes do covid. Há esforço de renegociação. Com linhas antigas não dá para mitigar o efeito de inadimplente e o banco não provisiona. O que está fazendo é uma gestão da carteira e fazendo isso ele diminui o crescimento”.
O sócio líder de serviços financeiros da KPMG, Claudio Sertório, explicou que o modelo para crédito que os bancos utilizam levam em consideração a inadimplência para calcular o risco de crédito. “Parte do risco já foi considerada. Os modelos dos bancos já estão impactados pelo risco de crédito. Outro fator é o apetite de crédito ou por qualquer tipo de investimento”.
Embora possa ter restrição por parte dos bancos, Sertório afirma que em momentos de crise determinados bancos podem querer crescer mais a carteira de crédito, e o que ele faz é trabalhar em taxas e aumentar volume.
“A demanda de crédito no começo do covid aumentou demais, ouvi cerca de 10 vezes a demanda normal para os grandes bancos. A razão era a incerteza do cenário futuro. Todo mundo usou a máxima de proteger o caixa de qualquer maneira e depois de um tempo isso reduziu. Agora voltou a uma normalidade. A expectativa pode aumentar um pouco mais em alguns setores que foram mais afetados pela crise que se prorrogou mais do que as expectativas iniciais”, diz o sócio líder de serviços financeiros da KPMG.
Arte de Adriana ForneretoO OUTRO LADO
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, afirma que a crise causada pela pandemia do coronavírus é profunda e sem precedentes. Para ele, a demanda por crédito ainda está disfuncional, uma vez que empresas estão quebrando, milhões perdendo o emprego e ainda não chegamos ao pico do desemprego e a inadimplência vai subir bem.
Sidney ressalta que mesmo durante o isolamento social os bancos conseguiram manter o sistema funcionando o que prova que o setor é um dos mais modernos e avançados do mundo.
“As facilidades do acesso digital e remoto através da internet, do mobile banking e dos demais aplicativos estão incorporadas no dia a dia da população bancarizada. Concedemos R$ 1 trilhão desde o início da pandemia, e vamos continuar focados para ajudar o Brasil a preservar empregos e a manter as empresas vivas”, diz o presidente da Febraban.
Indagado sobre o represamento de crédito pelos bancos e as críticas que o setor vem sofrendo, o presidente da Febraban explicou que os programas de crédito do governo são bons, estão dando resultados efetivos, mas ainda existem problemas que precisam ser expostos.
“No programa de financiamento da folha de pagamento, por exemplo, até o momento, os bancos já liberaram aproximadamente R$ 4 bilhões. São cerca de 200 mil contratos firmados no período. Não é pouco. São números importantes”.
Sidney informou que as instituições financeiras já pré-aprovaram o crédito para 75% das 267 mil empresas que atualmente possuem folha de pagamento nos bancos e que estão dentro da faixa de faturamento exigida pelo programa, que é de R$ 360 mil a R$ 10 milhões por ano.
O presidente da Febraban ressaltou que a exigência de não ter dívidas previdenciárias afetou aproximadamente 20% das empresas elegíveis ao programa até a promulgação da Emenda Constitucional, em maio, que dispensou essa exigência.
Outro ponto levantado por Sidney é que a empresa, pelas regras do programa, precisa se comprometer a manter todo o quadro de funcionários por 60 dias após a liberação do crédito, sendo que, nesse meio tempo, as empresas passaram a contar com outro programa do governo, que permite a suspensão ou a redução de salários que, na sua avaliação, compete com a outra, o que fez o programa da folha ser bem menos atraente.
“Vamos continuar empenhados em fazer esses recursos chegarem cada vez mais na ponta, ou seja, para quem realmente precisa”.
Para 2020, a entidade tem uma visão positiva sobre o mercado de crédito. Sidney explicou que a revisão para cima pelo Banco Central (BC) sobre as projeções de crescimento do saldo das operações de crédito de 4,8% para 7,6% este ano corrobora.
“Esse percentual indica uma recuperação dos níveis de expectativas para patamares muito próximos ao cenário anterior à pandemia, quando o crescimento previsto em 2020 era de 8,1%. Claro que tudo isso vai depender do processo de retomada da economia e do ritmo de crescimento dela. Mas, de forma geral, estamos otimistas”.
O presidente da entidade fez questão de frisar também que os bancos estão muito sensíveis e preocupados com as necessidades de quem precisa de crédito e que já houve uma série de ações concretas para dar mais fôlego a famílias e empresas.
“Queremos e vamos continuar ajudando a quem precisa. Mas um crédito concedido é, na prática, o dinheiro dos depositantes emprestado a alguém. Além disso, os bancos se submetem a normas muito rígidas de risco de crédito estabelecidas pelo Banco Central. Esse recurso emprestado precisa ser devolvido aos depositantes e investidores, que confiam diariamente suas finanças aos bancos”, explica Sidney.
Segundo ele, mesmo com o aumento do risco nas operações de crédito e da inadimplência, os bancos nunca tiveram uma atuação tão proativa como estão tendo nessa crise. O setor já renegociou 11 milhões de contratos com operações em dia, que têm um saldo devedor total de cerca de R$ 600 bilhões.
“Suspendemos parcelas de pagamento por até seis meses que somam quase R$ 80 bilhões, dando alívio financeiro imediato para empresas e consumidores. Mas precisamos continuar fazendo o crédito chegar nas mãos de quem precisa”.
BANCO CENTRAL
No último 23 de junho, o BC anunciou o programa Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE), o qual na prática o governo vai reduzir a exigência de provisões dos bancos para passivos contingentes, desde que as instituições direcionem os recursos que serão liberados para empréstimos a micro, pequenas e médias empresas.
O potencial de concessão em novos empréstimos com o CGPE é de R$ 127 bilhões. A linha terá prazo mínimo de três anos e carência de seis meses e as contratações poderão ser feitas até 31 de dezembro de 2020.
Segundo o BC, as instituições financeiras deverão direcionar pelo menos 50% do capital liberado a empréstimos para empresas com faturamento de até R$ 100 milhões, enquanto até 20% deve ser direcionado a empresas com faturamento entre R$ 100 milhões e R$ 300 milhões. Por fim, com faturamento de até 30% o risco é compartilhado com o governo, como é o caso do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
O fato curioso é que o saldo de operações de crédito no Brasil atingiu R$ 3,596 trilhões em maio, o que representa alta de 0,3% na comparação com abril e crescimento de 3,4% ante maio do ano passado. A concessão de crédito somou R$ 289 bilhões em maio, com queda de 2,5% em base mensal e crescimento de 7,6% ante maio de 2019.
De acordo com a economista da XP Investimentos, Lisandra Barbero, os dados de crédito anunciados pelo BC chamaram bastante a atenção. Segundo ela, em meio a um cenário de isolamento social em que as empresas tendem a ser bastante fragilizadas pelo choque de demanda, as concessões de crédito às pessoas jurídicas apresentaram queda bastante significativa no mês.
“Isso ilustra um pouco a preocupação de que, talvez, as medidas anunciadas pelo governo não estejam conseguindo chegar com tanta facilidade às pequenas e médias empresas. O outro elemento que chamou bastante a atenção foi o fato de a taxa de inadimplência de pessoas físicas e jurídicas permaneceram em patamares controlados, o que trouxe uma sinalização bastante positiva. Apenas o aumento da inadimplência das famílias com a modalidade de cartão de crédito que acabou trazendo um sinal de alerta para os próximos meses”, diz Barbero.
Em relatório, a Tendências Consultorias afirma que as concessões de crédito livre para os próximos meses devem continuar em volumes reduzidos, refletindo a piora na demanda por empréstimos e financiamentos e na oferta de crédito. No entanto, o crédito do BNDES deve seguir em elevação nos próximos meses, ainda refletindo a maior assistência do banco durante à pandemia.
No quesito taxa de juros do crédito livre, o cenário ainda segue relativamente positivo. Para 2021, a expectativa da Tendências Consultoria é de que as concessões voltem a crescer em ambas as carteiras, mas em trajetória gradual. “O cenário de normalização das atividades, queda nas taxas de juros e melhora na situação financeira deve ajudar o crescimento do volume de crédito”.
INADIMPLÊNCIA
A inadimplência é um dos fatores preponderantes na hora de instituição financeira ofertar crédito, uma vez que é a capacidade de pagamento do tomador que vai definir a oferta e o montante. A Agência CMA já falou sobre o tema em edição passada da perspectiva no qual apontou o volume de provisão e a oferta de crédito pelos bancos.
De acordo com o sócio-diretor da Cronos Capital, o patamar de inadimplência será maior que em 2008 e 2009, embora desta vez os bancos estejam mais preparados. “Quanto mais tempo a economia demorar para voltar pior será. Como alguns países já voltaram minimiza um pouco. Quanto mais a gente demorar para voltar maior será a inadimplência e as provisões”.
Boschini chama a atenção para um fato curioso. O Itaú Unibanco e o Bradesco podem registrar o primeiro e único prejuízo da história, mas que pelo seus tamanhos eles têm capacidade de suportar.
“Como toda a crise não tem queda de juro para a grande maioria. Os melhores tomadores têm queda, mas para os outros não. Eles direcionam para os melhores. As PMEs terão muita dificuldade pós covid. A recuperação judicial deve aumentar muito e a falência também. O aumento deve vir mais à frente. Daqui dois ou três meses terá grande período de renegociação”.
O sócio líder de serviços financeiros da KPMG, por sua, faz um alerta de que se a inadimplência aumentar muito e os bancos aumentarem as provisões, pode impactar, sim, o crédito e os índices e precisarão ajustar oferta para manter esses índices.
“Pode ser por aumento excessivo de inadimplência, mas tem risco baixo de acontecer. Ou pode ser por estratégia de alguma instituição. Bancos já estavam prevendo algum nível de inadimplência”.
Para Garibian, a carteira de inadimplência deve ficar ao redor de 4,1% em 2020, sendo que em 2019 foi de 1,9%. “Até lá, vão aumentar as provisões para proteger os balanços. Vão precisar fazer (provisões), mas depende de quanto tempo ainda vai durar a crise.
PROVISÕES DEVEM CONTINUAR
Os bancos devem continuar aumentando suas provisões como o visto no primeiro trimestre do ano, embora uns em grau um pouco maior e outros em grau menor.
O sócio-diretor da Cronos afirma que a tendência é que no segundo trimestre e no terceiro se apresenta no Bradesco e Itaú o maior provisionamento da história. “Se no início do covid em março tiveram esses efeitos agora no segundo o impacto vai ser muito maior. A tendência é começar a ver uma melhora a partir do quarto e o primeiro trimestre de 2021”.
Em relação aos bancos, o Santander dos grandes é o menos afetado. De acordo com Boschini, o mais afetado é o Bradesco e depois o Itaú. “O Santander deve continuar sendo o melhor deles, enquanto a carteira mais afetada deve ser do Bradesco. A queda deve ser maior ainda”.
Já o analista de instituições financeiras da S&P, Sergio Garibian, os bancos devem fazer provisões genéricas que não fizeram. “Agora é renegociar. Nem eles sabem. Estão esperando o maior. O varejo é mais rápido que o corporativo. É muito cedo para falar. O Santander provisionou menos. Não quer dizer que a carteira é de menor risco. Foi o nível de proteção que eles acharam adequado”.