São Paulo – O volume movimentado por ofertas de ações pode chegar a R$ 150 bilhões até o fim do ano, superando em mais de 25% o recorde de 2020 e mais do que dobrando o montante de de 2019, com destaque para as ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês). A previsão da Santander Corretora, por exemplo, é que sejam feitos 70 IPOs, somando R$ 90 bilhões, e 30 ofertas secundárias (“follow ons”), que podem gerar R$ 60 bilhões.
A alta expectativa, corroborada por outros especialistas e corretoras, é baseada numa demanda global por investimentos, que ficou represada pelo impacto da pandemia e volta a ganhar força com indícios de recuperação da economia doméstica. Previsões de crescimento do PIB em 2021 já estão sendo revisadas para cima em meio ao avanço da vacinação contra a covid-19, o que também colabora para um melhor momento para a bolsa e para o dólar. Analistas ainda destacam o ciclo positivo para commodities e que há pressa antes de 2022, ano de eleições presidenciais, o que traz mais volatilidade para o mercado.
Esse quadro leva a uma visão construtiva em relação ao potencial de crescimento do mercado de capitais brasileiro nos próximos anos, ainda considerado bastante restrito em comparação a outros países.
“Isso é fruto de um processo de ‘equitização’ do brasileiro, que foi para a renda variável devido aos juros baixos e à pouca rentabilidade em renda fixa, que levou mais de 3,5 milhões de pessoas a investir na bolsa. Outro fator bastante relevante é a liquidez global, que é gigantesca, com mais de US$ 200 trilhões oriundos de de pacotes de ajuda e injeções fiscais, que propiciam IPOs no mundo inteiro”, afirma o diretor Santander Corretora, André Rosenblit.
Os primeiros sinais desse movimento, segundo Rosenblit, foram os “follow ons”, com o BNDES vendendo suas participações na Vale, seguido pelos IPOs de empresas compradas por fundos de private equity e que aproveitaram para vendê-las e, agora, o maior volume ofertas primárias. Em 2019, houve apenas cinco IPOs, que movimentaram quase R$ 10 bilhões, enquanto em 2020, foram 28 ofertas iniciais que levantaram cerca de R$ 45 bilhões. Já este ano, a corretora prevê 70 IPOs e um volume de R$ 90 bilhões, dos quais 28 já aconteceram.
“Em 2022, o número não será tão forte em função de um ano mais volátil, por eleições, então as empresas estão antecipando suas ofertas este ano. As principais janelas são as de junho, setembro e outubro, com uma média de 40 IPOs até o final do ano, com cinco a seis IPOs por mês e dois por semana”, avalia Rosenblit.
Apesar da demanda menor prevista em 2022, a corretora está bastante animada com o futuro e deve buscar a liderança neste mercado. “A China tem 4 mil empresas listadas, o Vietnã tem 800, o Brasil só têm 400 empresas e têm tudo para dobrar de tamanho. O mercado de capitais vai ficar aquecido por fusões e aquisições, IPOs. Os próximos cinco anos serão fantásticos. Em 2022 vai retrair um pouco, mas novas janelas se abrirão”, acredita o executivo.
O sócio e diretor operacional da mesa proprietária Axia Investing, Caio Kanaan Eboli, também vê um cenário “cada vez mais promissor para futuros IPOs nos próximos anos”, mas destaca que há vários fatores que farão o número de ofertas ser maior em 2021. Entre eles, destaca as revisões para cima do crescimento da economia brasileira em meio ao avanço da vacinação, a queda do dólar e a recuperação da bolsa neste ano, com o Ibovespa voltando a bater recordes históricos.
Bancos e corretoras já projetam um crescimento do PIB acima de 5% este ano frente ao ano passado, que foi mais impactado pela pandemia, e a expectativa é que com maior parte da população vacinada ocorra uma melhora do consumo, embora alguns setores demorem mais para voltar à normalidade. Essa expectativa, somada a um ciclo positivo de commodities, com preços subindo no pós-pandemia, ainda ajudaram o Ibovespa a bater o recorde histórico de 131.190,30 pontos em junho, mantendo a bolsa atrativa.
Além da retomada econômica, do bom momento da bolsa e da continuidade da liquidez nos mercados, as eleições presidenciais do ano que vem levaram mais empresas a aproveitarem as janelas deste ano, acredita o analista da gestora Reach Capital, Pedro de Marco.
“É muito da janela de oportunidade, quando ocorrem eleições aumenta a percepção de risco, há mais volatilidade no mercado. Conforme se aproxima a eleição, a empresa que precisa de dinheiro e já tem um destino certo para ele, como para uma aquisição, expansão, aproveita. As empresas que estão em uma situação mais confortável podem esperar mais, avaliar outras janelas”, disse de Marco.
PRINCIPAIS EMPRESAS E SETORES
Para o diretor financeiro da plataforma de dados Comdinheiro, Filipe Ferreira, empresas de grande porte e que demandam mais capital também aguardam o momento mais oportuno para lançar suas ofertas e abrir capital. Ele cita o caso do IPO da Raízen, joint venture do grupo Cosan com a Shell, que deve ocorrer em breve e promete ser um dos maiores da B3, podendo movimentar entre R$ 10 e R$ 13 bilhões.
O último IPO desse porte havia ocorrido em dezembro do ano passado, trata-se da oferta da Rede D’or, que somou R$ 11,390 bilhões e foi o terceiro maior da B3, atrás apenas das operações do Santander em 2009 (R$ 13,182 bilhões) e do BB Seguridade em 2013 (R$ 11,475 bilhões).
“O caso da Raízen é um de aproveitar o momento, pois não via uma grande oportunidade de entrar na bolsa mesmo fazendo parte de um grande grupo e ter acesso ao mercado de capitais. Ela é uma empresa estruturada e pode escolher o melhor momento de abrir capital. A mesma coisa se deu com a CSN Mineração”, avalia.
O analista da Reach Capital é outro que destacou o IPO da Raízen entre os próximos previstos e acredita que o fato de a empresa ser a joint venture da Cosan com a Shell, também deve atrair mais investidores estrangeiros para essa operação. “A Raízen tem movimentos interessantes e pode ser que a Shell esteja interessada em crescer em combustíveis renováveis no Brasil, pode ser um novo pólo para eles”, disse ainda.
Segundo o analista, porém, a Raízen não é o único exemplo de holding que está abrindo o capital de uma subsidiária e os IPOs não estão restritos às grandes companhias, com empresas menores e de setores ainda pouco presentes na Bolsa também ocorrendo. Entre os setores que estão aparecendo mais no momento cita o de tecnologia, agricultura, farmacêutico, telecomunicações, além de empresas com foco em ESG (ambiental, social e governança, em português) e outras ligadas a commodities.
“Há o movimento de companhias que eram holdings, como a CSN Mineração e, agora a CSN Cimentos, também a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio), da Votorantim. As empresas ligadas a commodities também têm aproveitado o ciclo positivo. Ainda tenho visto empresas de fibra ótica, por exemplo, o que é novidade e conversa com o 5G, além de empresas de petróleo, farmacêuticas, energia solar. Há setores muito interessantes”, afirmou.
Entre os setores considerados novidades na Bolsa, cita o caso da Unifique, empresa de fibra ótica regional, que atua no estado de Santa Catarina, que vem analisando por acreditar que a empresa tem uma história interessante e espaço para expansão, ou mesmo possibilidade de no futuro ser adquirida por alguma empresa maior do setor de telecomunicações.
“Em tecnologia, há empresas como a Stone, que abriram capital fora do Brasil, na Nasdaq, e outras como Intelbras, Melius, Dotz, que abriram aqui por que encontraram uma janela mais favorável. E em alimentos, temos casos como São Salvador. Grupo Big, Fatura”, citou ainda Felipe Ferreira, gestor da Comdinheiro.
Edição: Danielle Fonseca (daniele.fonseca@cma.com.br)