São Paulo – A possível aprovação pelo Senado do projeto de lei (PL) 3.975/2019, que trata do risco hidrológico do setor elétrico, deve representar um alívio, encerrando as disputas judiciais sobre o pagamento de R$ 8,2 bilhões em abertos pelo risco.
Porém, senão houver uma revisão da garantia física dos geradores, há possibilidade de que o problema volte no futuro, segundo especialistas e agentes ouvidos pela Agência CMA.
Para o diretor do Instituto Ilumina, Roberto D’Araújo, até agora as discussões sobre o tema têm ficado sobre a solução do passivo, mas ainda não há nada no horizonte que indique uma solução para o problema gerador do prejuízo, que é a garantia física das usinas.
“Estão resolvendo um problema que foi causado por um sistema de fixação das garantias físicas, mas se não fizerem nada além disso, teremos outros déficits hidrológicos. Então a questão é que precisa modificar o sistema para não termos GSF para o resto da vida”, diz Araújo.
A questão também preocupa agentes do mercado como o presidente da Tradener, Walfrido Ávila, para quem o projeto já deveria abranger medidas que impeçam o mercado de travar toda vez que os reservatórios das hidrelétricas forem afetados por estiagens.
“O projeto resolve a questão do GSF para trás, não para frente. Então ele tem uma parte boa que é destravar as liquidações, mas a gente tem risco de em alguns meses ter esse problema de novo”.
De acordo com Ávila, a solução definitiva do mercado passa por tornar mais claras as responsabilidades dos agentes e mecanismos para garantir que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) faça normalmente as liquidações no mercado de curto prazo.
Essa visão, contudo, não é corroborada pelo presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel. Segundo ele, a aprovação terá um efeito imediato sobre o mercado de curto prazo de energia, permitindo um funcionamento saudável do sistema.
No entanto, as distorções que geraram o passivo, na visão dele, podem ser resolvidas no projeto que visa a modernização do setor elétrico, também em discussão no Legislativo. “Estamos com um valor grande retido, e isso não é bom num mercado que está liquidando menos do que 10% ao mês. Queremos que esse mercado tenha liquidação de 100%, e com o destravamento do GSF teremos nova dinâmica para realizar negócios com mais segurança”.
O presidente do conselho da CCEE, Rui Altieri, a aprovação da lei dará um novo panorama ao setor, que terá como horizonte apenas a proposta de modernização. “É um problema que atrapalha o setor há cinco anos, e que nasceu com propostas dos agentes. Por isso estamos satisfeitos, uma vez que é um passo importante para destravar o mercado”.
Por outro lado, o diretor-técnico da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e dos Consumidores Livres (Abracee), Filipe Soares, acredita que os agentes tiveram um aprendizado com o entrave causado no mercado, o que deve levar a uma gestão melhor do risco hidrológico, como forma de evitar novos entraves nas liquidações.
Soares afirma, porém, que o fim do problema passa pela modernização do setor e pela revisão periódica das garantias físicas.
“Eles estão fazendo uma gestão ativa do GSF, com projeção de compra antecipada de energia. Então a revisão periódica da garantia física e a gestão pelo empreendedor trazem uma solução para o problema, mesmo que individual”, explicou o diretor da Abracee.
Em relação ao projeto que está no Senado, que ainda não tem data para votação pelo plenário, Soares ressalta que trata de um primeiro passo na direção da modernização do setor. “É positivo, pois não adianta falar de modernização com um dos principais pilares do setor desse jeito”.
O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO NO SENADO
O PL em discussão no Congresso busca evitar que as geradoras sejam responsabilizadas daqui para frente pelo risco hidrológico em alguns casos específicos, e passa para o governo a responsabilidade por quitar a conta em aberto. O pagamento, porém, será feito via prorrogação do período de concessão das usinas envolvidas.
Em troca, as usinas hidrelétricas desistiriam dos processos em que contestam a União sobre a responsabilidade pelo pagamento.
A conta para definir em quanto tempo as concessões serão prorrogadas será feita levando-se em consideração fatores que teriam impedido as hidrelétricas de gerar o mínimo de energia prometida e que não estavam relacionados à falta de chuvas sobre os reservatórios.
O princípio do risco hidrológico é de que as usinas hidrelétricas podem ser incapazes de gerar o mínimo de energia que prometem entregar ao sistema elétrico. Nos últimos anos, este risco se concretizou em algumas ocasiões por causa da estiagem na região dos reservatórios, por exemplo.
Esta energia que foi prometida, mas não foi entregue teve de ser adquirida em outro lugar – no mercado de curto prazo, a custos maiores -, e a conta supostamente deveria ser transferida para as hidrelétricas.
Os geradores, porém, questionaram na Justiça se a dívida era deles, alegando, por exemplo, que houve atraso em obras de linhas de transmissão que poderiam ter mitigado o efeito negativo do risco hidrológico.