Países correm contra o relógio para frear crise climática

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São Paulo – A economia global mal conseguiu lidar com os efeitos provocados pela pandemia do novo coronavírus e já vê no espelho retrovisor mais uma crise se aproximando: as mudanças climáticas. Pelo menos é nisso que acreditam as autoridades de vários países, que começaram a pisar no acelerador na direção de políticas mais amigáveis ao meio ambiente.

“Em 2021, o foco dos investidores e legisladores mudará da covid-19 para o meio ambiente”, disse a diretora executiva de Global Economics da IHS Markit, Sara Johnson, acrescentando que deve haver uma convergência para políticas de energia renovável em importantes economias.

Nessa corrida pela preservação, os países europeus assumiram a dianteira depois que os Estados Unidos reverteram uma série de medidas em favor da proteção do meio ambiente durante a gestão de Donald Trump.

“Todas as economias do G-20 devem assumir a liderança, mas claramente os Estados Unidos, a União Europeia, a China e a Índia devem estar na vanguarda e muito mais dispostos a cooperar”, afirma o economista chefe e estrategista global em pesquisas da ADM Investor Services, Marc Ostwald.

Sob o comando de Emmanuel Macron, a França – famosa pelo Acordo do Clima de Paris de 2015 – tem tentado se manter como palco das grandes soluções ambientais. No início do mês passado, a cidade luz sediou o One Planet Summit, um fórum sobre o clima que contou com a participação de 11 chefes de estado, autoridades da União Europeia (UE) e que obteve compromissos firmes de políticas de combate às mudanças climáticas.

Na ocasião, líderes de países como Canadá, Alemanha, Reino Unido e Noruega concordaram em avançar na implementação de medidas de proteção dos ecossistemas terrestres e marinho, da promoção da agroecologia, proteção de florestas e espécies e se comprometeram com o financiamento da biodiversidade, com quantias superiores a US$ 16 bilhões.

No final do mês passado foi a vez da Holanda sediar um encontro virtual sobre o clima, que previu a adoção de um programa de adaptação para fazer frente aos efeitos do aumento do nível do mar, das condições climáticas extremas e de colheitas ruins.

Mas os Estados Unidos não devem ficar muito tempo como coadjuvantes da mobilização europeia pelo clima. Assim que assumiu a Casa Branca, em 20 de janeiro, Joe Biden, apresentou uma agenda forte de medidas ligadas ao combate das alterações climáticas, que inclui investimentos pesados na economia verde, com criação de empregos qualificados e bem remunerados.

Talvez o anúncio mais marcante de Biden tenha sido a criação do enviado especial para o clima, posto que será ocupado pelo ex-secretário de Estado John Kerry, cuja missão será colocar os Estados Unidos de volta ao hall da preservação ambiental.

No caso do Brasil, os especialistas destacam o potencial de expansão do país em uma economia verde, mas alertam para barreiras políticas diante dos constantes ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro e seus ministros a outros países em relação às questões climáticas e raramente apresentar projetos concretos para frear o desmatamento.

“Geograficamente, o Brasil está bem localizado para se capitalizar em um mundo mais verde. Os desafios que o país enfrenta são políticos e institucionais, sobretudo no que diz respeito à governança, no sentido mais amplo do termo. A história recente não oferece muitos motivos para otimismo, mas a oportunidade é inegável, e isso é verdade para muitos países em todo o mundo”, afirma Ostwald, da ADM.

CUSTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A corrida por uma economia global mais verde tem um motivo: os custos das alterações no clima. Um estudo publicado pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) no ano passado mostra o resultado de uma crise financeira causada pelas mudanças climáticas.

Batizado como ‘The green swan’ (O cisne verde, em tradução livre), esse estudo explica que eventos climáticos extremos como os incêndios na Austrália ou furacões no Caribe, que estão aumentando a frequência e magnitude, trazem cada vez mais custos financeiros.

Entre esses custos podemos listar interrupções em produções, destruição física de fábricas, aumentos repentinos de preços, entre outros, que afetam cidadãos, empresas, governos e instituições financeiras.

“Os países da África e do Sudeste da Ásia devem ser os piores e mais rapidamente afetados pelo aumento das temperaturas, com os danos vindos principalmente de um impacto na produtividade. Terras produtivas podem ser perdidas por inundações e rendimentos agrícolas afetados por mudanças climáticas”, disse o economista da Capital Economics, Gareth Leather.

As mudanças climáticas também afetarão as grandes economias de várias maneiras, já que  podem ser indiretamente afetadas pelo impacto provocado nas economias em desenvolvimento via preços mais voláteis dos alimentos ou grandes fluxos de imigração.

“E haverá efeitos regionais e setoriais. As áreas costeiras dos Estados Unidos podem inundar, por exemplo, enquanto a produção agrícola pode mudar de local para diferentes países”, acrescentou Leather, da Capital Economics.

AÇÃO DOS GOVERNOS

As autoridades ao redor do mundo estão cada vez mais preocupadas com os efeitos das mudanças climáticas sobre suas economias. Um exemplo disso é que é cada vez mais comum ver presidentes de bancos centrais a exemplo de Christine Lagarde, do Banco Central Europeu (BCE), e Jerome Powell, do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) incluírem em seus discursos menções aos riscos que os desequilíbrios climáticos podem representar para suas metas de política monetária.

A grande preocupação das autoridades de política monetária é com os efeitos das mudanças climáticas sobre os alimentos e seus impactos sobre a inflação.

“Com a previsão de taxas de juros muito baixas nos próximos anos, e com a economia mundial precisando de um grande projeto economicamente transformador para impulsionar a recuperação da pandemia, uma recuperação verde pode oferecer um projeto de infraestrutura colossal e transformacional, que facilite o combate às mudanças climáticas, crie novos empregos e habilidades e ajude a dar tração real à retomada econômica”, disse Ostwald, da ADM.

Apesar de oferecerem ambientes de juros baixos e alternativas de financiamento sustentável, o protagonismo no desenvolvimento das políticas ambientais é dos governos e não dos bancos centrais. Os especialistas citam medidas que vão desde incentivos fiscais até apoio à energia renovável.

“O apoio de políticas de energia renovável de governos importantes – União Europeia, China, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos – e medidas para baixar os custos da energia eólica, solar e de bateria acelerarão a transição para uma economia mais verde, já que implicitamente reduzirão a demanda – e, consequentemente, os preços – dos hidrocarbonetos”, afirma Johnson, da IHS Markit.

O ACORDO DE PARIS E AS TEMPERATUAS ALTAS

As mudanças climáticas são uma área de grande incerteza e qualquer projeção deve ser considerada com isso em mente. No entanto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – órgão das Nações Unidas (ONU) – estima que, para evitar um aumento significativo nas temperaturas globais, é necessário o corte das emissões de carbono em 45% até 2030 e neutralizá-las em 2050. Até agora, o mundo está não está no caminho certo para fazer isso.

“O problema mais imediato para as grandes economias é o efeito das medidas para prevenir o aquecimento global. Há temores generalizados de que o aumento das temperaturas afetará o crescimento econômico”, afirma Leather, da Capital Economics.

A prevenção do aquecimento global é uma questão que requer cooperação, algo que foi dificultado pelo recente declínio do multilateralismo. De fato, embora o Acordo de Paris de 2015 tenha resultado na concordância de todas as nações em tentar limitar o aumento das temperaturas globais a 1,5 grau Celsius, as ações desde então não foram suficientes.

“O Acordo do Clima de Paris é bem intencionado e bom, mas o que é necessário é ação, não palavras. É necessária uma maior cooperação –  infelizmente não tão evidente na corrida para encontrar, produzir e distribuir uma vacina contra a covid-19 – na pesquisa de todas as formas de soluções e muito mais apoio para os países em desenvolvimento implementar medidas e desenvolver infraestrutura local favorável ao clima”, afirma Ostwald, da ADM.

De acordo com um levantamento do Climate Action Tracker, uma análise independente sobre o clima produzida por organizações de pesquisa, as metas de emissões específicas que os países concordaram são consistentes apenas com a limitação do aumento das temperaturas globais a 2,9 graus Celsius.

“A maioria dos países não conseguiu propor políticas concretas suficientes para garantir o cumprimento até mesmo dessas metas inadequadas. Isso não é um bom presságio para o objetivo do Acordo de Paris de aumentar as ambições ao longo do tempo, por meio do que é apelidado de ‘mecanismo de catraca’”, dizem economistas da Capital Economics em um relatório sobre o tema.

Ainda de acordo com a Climate Action Tracker, embora mais de 60 países tenham como objetivo zerar emissões líquidas de carbono até 2050, eles respondem por apenas um décimo das emissões globais.