Pandemia potencializa o ímpeto da China pela liderança global

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São Paulo – A pandemia do novo coronavírus potencializou os esforços da China em se tornar líder global na fabricação de produtos de alta tecnologia, por meio do plano “Made in China 2025”, mas Pequim pode esbarrar na pressão internacional para levar seu projeto adiante, de acordo com analistas consultados pela Agência CMA.

O plano foi lançado em maio de 2015 pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, visando modernizar a indústria chinesa em uma década com foco em dez setores-chave, como tecnologia da informação, aviação, veículos de novas energias, robótica e máquinas automatizadas.

“A crise provocada pela pandemia do novo coronavírus acelerou as ambições da China de dominar, ou pelo menos ser autossuficiente, na fabricação de alta tecnologia”, disse a analista-chefe para Ásia do Nordea, Amy Yuan Zhuang.

Ela alerta, no entanto, que a crise também fez com que muitos países percebessem que são muito dependentes das cadeias de suprimentos chinesas e, nos próximos anos, mais produção pode ser realocada para fora da China.

“Isso fará a China retaliar, reduzindo suas importações de alta tecnologia de países como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. Pequim comanda e incentiva as empresas a aumentarem a pesquisa e o desenvolvimento, principalmente de semicondutores”, acrescentou Zhuang.

Segundo o economista-chefe para a Ásia da Capital Economics, Mark Williams, “os líderes da China responderam à pandemia e às críticas à China tornando-se mais nacionalistas. A liderança também parece mais convencida do que nunca que o modelo econômico liderado pelo Estado da China foi novamente bem-sucedido e que é necessário combater os esforços dos Estados Unidos para cortar os principais suprimentos”.

A pandemia fez a China mudar o foco do programa para a chamada nova infraestrutura, que inclui data centers e redes 5G, segundo a analista-chefe para a China do ING, Iris Pang. “A China tem vantagem na infraestrutura 5G e, portanto, em aplicações 5G”, disse ela.

O presidente da China, Xi Jinping, colocou o desenvolvimento da nova estrutura entre as prioridades do governo para acelerar a economia durante a pandemia, afirmando em várias ocasiões a necessidade de acelerar este projeto, entre outros já incluídos nos planos estatais.

A PANDEMIA E A PRESSÃO INTERNACIONAL

O plano chinês já enfrentava forte pressão internacional antes da pandemia do novo coronavírus, em meio a preocupações com o avanço da influência econômica e política da China em nível global.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, travou em 2018 e 2019 uma guerra comercial com a China, acusando o país de roubar propriedade intelectual de empresas norte-americanas, entre outras práticas injustas de comércio. Os dois lados assinaram em janeiro deste ano a fase 1 de um acordo para colocar fim à disputa.

No entanto as disputas entre as duas maiores economias do mundo não acabaram, ganhando outras frentes. Os Estados Unidos adicionaram, em maio de 2019, a gigante chinesa de tecnologia Huawei e cerca de 70 afiliadas a uma lista de bloqueio por preocupações de segurança nacional, resultando na proibição, até 2021, de operarem em território norte-americano e fazer negócios com empresas do país.

Outros pontos de tensão entre Washington e Pequim incluem acusações de que os chineses são responsáveis pela disseminação do novo coronavírus, descoberto em dezembro na cidade de Wuhan, e a recente implementação da lei de segurança nacional em Hong Kong. A China também enfrenta críticas da União Europeia (UE).

O analista de mercado sênior da Oanda, Jeffrey Halley, disse que “o plano para 2025 permanece nos trilhos”. Porém, “seu sucesso está sendo atrapalhado pelas relações norte-americanas e pela restrição de importações de tecnologia dos Estados Unidos – isso pode atrasar seu sucesso. As relações internacionais da China com o resto do mundo continuam sendo a maior barreira, não a covid-19”.

Além disso, o economista sênior da Focus Economics, Ricard Torne, destacou que a iniciativa “Made in China 2025” depende parcialmente de joint ventures e aquisições no exterior. “A pandemia reacendeu os apelos mundiais por restringir o investimento estrangeiro, especialmente quando se trata de setores estratégicos”, afirmou.

Esta tendência, porém, não é nova, disse ele, uma vez que as compras agressivas da China de empresas estrangeiras em setores estratégicos nos últimos anos já provocaram polêmica na Europa e nos Estados Unidos. “Portanto, é o relacionamento da China com as economias ocidentais que moldará o futuro do plano Made in China 2025”.

IMPACTOS DA PANDEMIA

A maioria dos dados econômicos da China indicam que o país está se recuperando de forma gradual dos impactos da pandemia, de acordo com analistas consultados pela agência CMA. No entanto, a atividade econômica geral ainda está abaixo dos níveis pré-pandemia. Em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês cresceu 6,1%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê alta de 1,0% este ano, e de 8,2% em 2021.

“A China escapou do pior da desaceleração da pandemia por causa de seu gigantesco mercado interno. Também foi o primeiro país a ter o surto, mas conseguiu gerenciá-lo agressivamente e impedir que a covid-19 se espalhasse materialmente”, disse Halley, da Oanda. Ele prevê PIB zero este ano.

“Seu verdadeiro problema está no setor de exportação, com a demanda do mercado externo em colapso”, acrescentou.

Segundo Pang, do ING, a demanda doméstica está se recuperando, mas alguns setores seguem prejudicados. Ela prevê contração de 1,5% no PIB em para 2020. Zhuang, da Nordea, destacou a relutância dos consumidores em gastar, principalmente no setor de serviços, que responde por 55,0% do PIB. Ela prevê crescimento econômico de 1,0% para 2020.

O chefe de pesquisa de mercado financeiro da Ásia-Pacífico do Rabobank, Michael Every, disse que a confiança na China entrou em colapso e as cadeias de suprimentos estão comprometidas. “Esperamos um crescimento do PIB de cerca de 1,5% na melhor das hipóteses em 2020”.

Já a Focus Economics espera crescimento de 1,5% para a economia chinesa este ano. Torne destacou que uma recuperação tímida está em andamento devido à normalização das atividades e apoio a políticas, mas a maior parte da recuperação virá em 2021, com alta de 7,6% no PIB, o resultado mais forte em oito anos.

“A força da recuperação dependerá em grande parte do desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a covid-19”, concluiu.