Provisão maior e crédito menor devem diminuir as linhas

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São Paulo – Visto como os grandes vilões em crises, desta vez, em meio ao novo coronavírus, os bancos podem ser os grandes responsáveis pela retomada da economia. Porém, dependendo da capacidade da ajuda às provisões devem ser maiores que em anos anteriores, assim como a oferta de crédito que pode perder fôlego de acordo com o comportamento dos tomadores, acarretando diminuição das linhas dos balanços.

Para o presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, a concessão de crédito abaixo da remuneração adequada pode trazer problemas para o sistema financeiro, fazendo com que o apetite dos bancos diminua ou que até mesmo fragilize os balanços das instituições.

“Se começar a acontecer isso, pode ter uma situação que é fragilizar o balanço dos bancos, e ele não conseguirá mais fazer frente aos depósitos que lhes foram colocados”, comentou o executivo durante uma live do jornal “Valor Econômico”.

À medida que a pandemia do coronavírus aumenta no Brasil em meio ao crescente estresse de crédito, a S&P Global Ratings espera que a pressão sobre a qualidade dos ativos dos bancos continue aumentando no segundo trimestre, levando as instituições a aumentar ainda mais as provisões no meio do ano.

Em relatório, a agência de classificação de risco afirma que desde 2017 os bancos brasileiros vinham se recuperando da grave crise econômica que afetou o sistema entre o final de 2014 e 2016, período em que as provisões para devedores duvidosos atingiram o pico e reduziram a rentabilidade dos bancos.

Para o analista da Mirae Asset, Pedro Galdi, existe uma preocupação do setor de que a coisa vem muito preta na economia, com aumento da inadimplência, falência e perda de receita por conta disso.

“Pandemia tem começo, meio e fim, e vamos ter uma situação de curto prazo um pouco problemática para os bancos. No segundo trimestre a coisa vem mais preta. Pessoas estarão em casa, vão usar serviços de banco, agências vazias, alguns setores vão sofrer e os bancos também”.

Em relação às provisões, o analista da Mirae ressalta que o Itaú Unibanco e o Bradesco foram bem agressivos, enquanto Santander terá que fazer. “Provisões é para absorver esse impacto. O Santander vai ter que fazer provisão no segundo trimestre e será uma bordoada. Os pequenos não têm a saúde financeira dos grandes. Pode haver consolidação caso algum grande cliente desses caras entre em colapso”.

Segundo Galdi, a expectativa é que a economia comece a retomar no terceiro trimestre do ano, embora nada impede de os bancos terem que fazer mais provisões. “Mas o Santander deve ter provisões porque a inadimplência 90 dias começa a bater. Os bancos continuam muito seletivos. Torneira fechada e precisa abrir torneira”.

No primeiro trimestre do ano, o Bradesco fez provisão adicional de R$ 5,1 bilhões, o Itaú Unibanco de R$ 4,5 bilhões, o Banco do Brasil de R$ 2 bilhões, enquanto o Santander não fez nenhum valor.

“O grande desafio das provisões foi em que momento os bancos estavam fazendo a análise de risco de crédito. Qualquer dia poderia mudar as expectativas. Eles trabalham com modelagem que incluem a perda incorrida, quando olha o passado e vê como já incorreu. A outra é a perda esperada no qual a modelagem fala que se o desemprego aumentar vai ter reflexo nas perdas futuras”, diz o sócio líder de serviços financeiros da KPMG, Cláudio Sertório.

Sertório explica que o modelo brasileiro de provisões olhava o passado, mas que a resolução 3687 falava que havia provisão mínima que poderia ser incrementada. “Ninguém esperava uma situação como essa do coronavírus, mas tinha histórico de outras crises e dentro da modelagem isso já era mais ou menos modelado. Todos já fizeram um primeiro nível de provisão complementar. A definição desse nível dependia de como os modelos estavam ajustados para isso e como eles fizeram”.

O sócio líder de serviços financeiros da KPMG afirma que existe diferença entre os bancos, os tipos de produto e de cliente de cada um, por isso, a necessidade de algum tipo diferente de provisão.

CRÉDITO

A S&P explica que os bancos aumentaram o uso de garantias para empréstimos corporativos para pequenas e médias empresas. Contudo, no primeiro trimestre do ano, as reservas combinadas de grandes bancos para perdas de crédito foram cerca de 50% maiores do que no mesmo trimestre do ano anterior, em meio à deterioração das condições de crédito devido à pandemia do coronavírus e ao impacto econômico adverso das medidas de contenção.

Para o analista da Austing Rating, Luis Miguel Santacreu, já é possível reparar um aumento no volume de crédito de renegociação com empresas correndo para renegociar dívidas, principalmente as grandes que têm mais acesso para se relacionar com os bancos.

“Existe a busca por caixa, as empresas tomaram mais crédito. O que está em discussão é a situação da inadimplência propriamente dita. Os bancos deixaram de registrar créditos em atraso porque o Banco Central autorizou não fazer provisão para esses créditos, o que deu fôlego para vários devedores”, explica o analista da Austing Rating.

No segundo trimestre em curso, Santacreu acredita que vai ter muitos bancos que prorrogaram crédito em 60 dias, sendo que o Bradesco anunciou para 120 dias. “O que a gente deve ver no segundo é como as provisões já feitas vão ficar e quanto vão adicionar no segundo trimestre, assim a gente vai saber a expectativa dos bancos quanto ao recebimento dos atrasos.

Na perspectiva publicada em abril, que você pode ver no terminal e no site da Agência CMA, com o título: De protagonistas em crises a parte importante na recuperação, a reportagem já trazia uma breve cor de como estariam os bancos em meio à crise.

De acordo com Santacreu, houve um aumento de captação pelos bancos, com migração de recursos que estavam no mercado financeiro para os grandes bancos que acabou gerando um choque muito forte e houve certa busca por qualidade para aplicar em grandes bancos, o que aumentou a liquidez do setor com depósitos.

“A realidade mudou rapidamente de março para abril. O sistema bancário estava bem e agora está convivendo com realidade diferente de paralisação da economia e aumento da inadimplência. Eles registram inadimplência acima de 90 dias, mas passou de 14 dias já fazem provisão porque o crédito está em atraso”.

Para o presidente do Itaú Unibanco, as empresas e pessoas sairão da crise mais endividados e a capacidade do tomador de crédito horar seus compromissos diminui, fazendo com que o apetite dos bancos também seja menor.

“Após o fim da pandemia o mercado de crédito vai se dividir entre os créditos já concedidos e que terão uma rolagem superior à atual, clientes necessitando de carência e prazos elásticos, e os novos créditos. Nesta segunda categoria, a tendência é que haja uma redução na demanda. Haverá mais crédito decorrente de renovação de empréstimo existente, enquanto os novos créditos devem cair ou nem ter crescimento”.

O sócio líder de serviços financeiros da KPMG ressalta que o Banco Central é muito rigoroso de cobrar dos bancos modelos consistentes de concessão de crédito. “Acho que não haverá afrouxamento desvairado de concessão de crédito. Bancos são negócios complexos. Não acho que eles serão mais seletivos, mas o momento torna mais complexa a concessão de crédito. É um novo momento mais complexo”.

Ao final do primeiro trimestre, a carteira de crédito do Bradesco alcançou R$ 655,094 bilhões, enquanto do Itaú Unibanco alcançou R$ 769,2 bilhões, o Banco do Brasil alcançou R$ 619 bilhões e o Santander alcançou R$ 463,4 bilhões.

EMPRÉSTIMOS E RENTABILIDADE

A agência de risco S&P diz que os maiores bancos brasileiros reportaram crescimento de cerca de 13% nos empréstimos em base anual no primeiro trimestre de 2020, sendo a primeira vez de um crescimento agregado de dois dígitos desde 2015.

Segundo a S&P, isso se deve principalmente ao aumento do volume de empréstimos corporativos, à medida que as empresas buscavam fortalecer as posições de caixa para capital de giro em meio à pandemia.

“Os bancos tiveram incentivos regulatórios para expandir o crédito mediante diversas medidas anunciadas pelo BC para aumentar o funding e a disponibilidade de capital por meio de menores exigências de depósitos compulsórios e exigências de capital”.

A S&P lembra também que outra importante medida regulatória permitiu que os bancos renegociassem empréstimos por até seis meses sem exigir provisões adicionais, dando suporte à manutenção da carteira de crédito. Os empréstimos de varejo, por outro lado, tiveram um crescimento modesto, à medida que a demanda por alguns produtos, como financiamentos imobiliários, cartões de crédito e financiamentos de veículos diminuiu.

“Não tem como nenhum negócio ou pessoa escaparem sem danos em algum grau da crise. Ela não nasceu em um setor ou negócio específico, ou um país ou geografia específica. Afetou todos os países, talvez em maior ou menor proporção, então a correlação mostra que em maior ou menor grau foi impactado”, lembra o sócio da KPMG.

A S&P garante que os ganhos de eficiência e receitas de prestação de serviços devem mitigar as crescentes perdas de crédito dos bancos, pois foram fundamentais para aumentarem a rentabilidade dos grandes bancos nos últimos anos.

“Mesmo em um cenário com baixas atividades de negócios, que requeiram mais provisões para crédito, a alta proporção de taxas e comissões de atividades não relacionadas a empréstimos continuará mitigando o provável aumento de perdas de crédito dos maiores bancos em 2020”, analisa a agência de risco.

No quesito rentabilidade, porém, a S&P disse que os grandes bancos brasileiros foram fortemente afetados no primeiro trimestre em função das consideráveis provisões de crédito. “No entanto, uma desaceleração sustentada da atividade econômica devido à necessidade de manter a quarentena por um período prolongado pode aumentar drasticamente o volume de empréstimos problemáticos e continuar prejudicando a qualidade dos ativos dos bancos”.

Segundo o sócio da KPMG, o setor bancário entrou na crise de forma saudável. “Os bancos têm sido trazidos para estrutura de governança consistente e gestão de risco. Isso tomou dimensão nos bancos e eles estão entrando nessa crise de forma saudável como um todo. Temos observado que eles estão reagindo bem à crise. Os bancos terão importância na solução dessa crise”.