São Paulo – Analistas internacionais acreditam que o principal desafio do próximo presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, será garantir aos investidores que é possível equilibrar programas sociais sem aumentar demais a dívida nacional. Eles, no entanto, acreditam que seu comprometimento com políticas ambientais e discussões diplomáticas podem ser benéficas para o país.
“Acho que um dos principais desafios que Lula enfrentará é cumprir suas promessas de campanha, especialmente aumentar os gastos com a previdência, enquanto mantém os investidores a bordo”, diz a economista para mercados emergentes da Capital Economics, Kimberley Sperrfechter.
Para ela, Lula precisa tranquilizar os investidores agora de que não será imprudente fiscalmente, de preferência nomeando um ministro das Finanças favorável ao mercado em vez de um aliado político próximo.
“Além disso, outro desafio seria promover reformas estruturais, que precisam de amplo consenso para implementação, mas aumentam a facilidade de fazer negócios no Brasil”, diz o Economista Chefe para a América do Sul do Rabobank, Mauricio Une.
Para a professora Terra Budini, coordenadora do mestrado profissional em governança global e formulação de políticas internacionais da PUC-SP, Lula deve retomar as bases do que foi a política externa dos seus governos anteriores. “Dá para esperar uma retomada dos princípios da diplomacia brasileira, de busca de espaço de autonomia, de espaços independentes e com outras potências emergentes e retomar uma construção de regionalismo sul-americano”.
A maior expectativa sobre o governo Lula para o mundo, segundo Budini, é com relação à agenda ambiental. “O Brasil tradicionalmente é um ator muito importante no regime de mudanças climáticas e na governança global do clima. É um ator com toda a legitimidade neste tema, é uma potência emergente e tem a maior riqueza florestal. O Brasil tem lugar de fala nesse assunto”.
Ela comenta que o quesito do clima envolve não somente ambientalistas, mas muitos outros setores e grupos mundiais. “É um assunto para vários atores diferentes, como governos, ambientalistas, povos indígenas e o mercado, a regulamentação de instrumentos financeiros relacionados a isso e o mercado de carbono”.
O meio ambiente deve ganhar destaque para os observadores internacionais. “[Jair] Bolsonaro nunca escondeu sua visão sobre a Amazônia, povos tradicionais, terras indígenas e meio ambiente, assim, sua gestão foi coerente com uma ideia de desregulamentação, fragilização das instituições, afrouxamento do monitoramento e fiscalização”, observa o Conselheiro do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA), Luiz Antonio Ferraro Junior.
Os primeiros sinais de um governo mais voltado à preservação ambiental agradaram os investidores estrangeiros. No dia seguinte à vitória do petista, a Noruega afirmou que irá reativar o Fundo Amazônia, que foi suspenso pelo país em 2019.
De acordo com Luiz Antonio, é necessário recuperar os quadros das principais organizações voltadas ao meio ambiente, como IBAMA, ICMBio, INPE e MMA, bem como a destinação de recursos ao setor e investir em fiscalização e tecnologia para monitoramento diário dos biomas.
Entretanto, aponta o especialista, não há verba para isso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) atual, e já existe um grande desafio em relação ao teto de gastos por conta da retomada do Bolsa Família. “Preservar a Amazônia como resultado de esforços de cooperação e investimento internacionais será um reforço da governança ambiental global e de um exemplo de desenvolvimento regional baseado em um bioma”, ressalta.
Do ponto de vista do cenário geopolítico global, ele não é o mesmo de quando Lula assumiu o cargo em 2003. Desde então, a China assumiu um protagonismo ainda mais preponderante na economia mundial, e se transformou na principal parceira comercial do Brasil e de um vasto leque de países.
Para o pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-americanos da Universidade de Brasília, Robson Valdez, o novo governo enfrentará condições bem difíceis diante da guerra comercial que Estados Unidos e China travam. Além de disputarem influências regionais, ambos os países estão numa ferrenha competição pelo sistema produtivo global, sobretudo em tecnologias sensíveis como os semicondutores e o 5G.
“O Brasil entra numa condição não tão boa. Não temos o protagonismo nessa área, nem no comércio internacional, mas o Brasil tem algo a apresentar que é a sua capacidade diplomática de se lançar internacionalmente e resgatar esse papel de ator do multilateralismo”, explica Valdez. “Temos um pé nos dois lados, tanto um acesso tanto ao norte global, graças a uma economia diversificada, como ao sul global, nas agendas de combate à pobreza, desenvolvimento da classe média e mudanças climáticas”.
Esse papel do Brasil no fortalecimento de instituições multilaterais de governança global é um dos destaques que Valdez coloca para a próxima gestão. “O Brasil, do ponto de vista do Ocidente, é visto como o mais ocidentalizado do sul global entre as várias agendas que são discutidas com o norte”, reforça.
Reportagem de Larissa Bernardes, Darlan de Azevedo, Júlio Viana e Vanessa Zampronho
Edição: Vanessa Zampronho / Agência CMA