Eleições nos EUA e pandemia trazem volatilidade ao mercado no 2º semestre

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São Paulo – Após um primeiro semestre de fortes emoções para os investidores, diante do surgimento da pandemia do novo coronavírus, a manutenção da volatilidade deve ser a única certeza nos mercados de ações, câmbio e juros na segunda metade de 2020.

Crédito: Adriana Franco/CMA

Segundo especialistas ouvidos pela Agência CMA, as eleições presidenciais nos Estados Unidos e o risco de uma segunda onda de covid-19 estão entre os principais fatores no horizonte que devem garantir novas agitações, embora a previsão de uma taxa Selic baixa e a continuidade de medidas de estímulos favoreçam a tendência de compra de Bolsa e proteção (hedge) em dólar.

“O principal motivo de estresse no segundo semestre deve ser as eleições, já que no começo do ano, a previsão era que [o presidente dos Estado Unidos, Donald] Trump ganharia com facilidade, mas tudo mudou com a pandemia”, diz o economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo.

Para ele, o bom desempenho do candidato rival Joe Biden nas pesquisas eleitorais começará a entrar no radar dos mercados e pode incomodar, caso o democrata se mostre pró-aumento de impostos e a depender da sua postura em relação à China.

A economista Zeina Latif diz que “vê um mercado reticente” com Biden pelo histórico de discursos no passado que geraram desconforto. “Ele é o desconhecido. Uma possível eleição do democrata vai trazer incertezas e deve pesar no preço da bolsa e do dólar”, comenta.

A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, porém, dá como certa a reeleição de Trump. “Está dada, embora tenha pesquisas que mostrem que a chance de reeleição caiu. Mas vejo o mercado precificando o Trump reeleito”, acrescenta.

Para Espírito Santo, nesse contexto de incertezas, o cenário não é de Ibovespa acima de 100 mil pontos e mesmo o patamar atual, que tem rondado os 95 mil pontos, não reflete os fundamentos. “85 mil pontos seria palatável para o que temos hoje”, afirma, embora destaque que a injeção de liquidez por parte de bancos centrais provoca uma “inflação” dos ativos.

O analista de investimentos do Banco Daycoval, Enrico Cozzolino, também prevê que o índice se mantenha nos 95 mil pontos até o fim do ano. “Apesar do novo coronavírus, há a retomada pós-crise, com liquidez elevada e movimento de migração da renda fixa para renda variável, em meio à Selic baixa”, diz. Ele considera que a segunda onda da pandemia não será “catastrófica” como a primeira, com medidas de isolamento social mais pontuais e a possível descoberta de uma vacina, já que empresas têm mostrado avanços em testes.

Além dos fatores eleições e retomada pós-pandemia, o sócio da RJI Gestão Investimentos, Rafael Weber, afirma que impacto da crise nas empresas precisará ser melhor avaliado neste semestre. “Já sabemos que a próxima temporada de balanços vai ser ruim, mas vai ser importante ver o nível de endividamento das empresas, se teve corrosão forte de caixa, qual empresa fez a lição de casa, para saber em quais papéis vale continuar apostando ou não”, ressalta.

QUESTÕES LOCAIS

A economista do Ourinvest acredita que o ritmo da recuperação econômica e a pandemia seguirão no centro das atenções, ao mesmo tempo em que o cenário de reformas estruturais no Brasil é monitorado. “Entramos o segundo semestre com o cenário truncado. Esses fatores devem pesar no preço dos ativos”, avalia. Zeina reforça que a velocidade de uma recuperação do Brasil preocupa pelo cenário “pior” entre os países emergentes, apesar de acreditar que a economia já “bateu o fundo do poço” e ver um mercado mais ressabiado, “sem ignorar riscos”.

Após um semestre de forte volatilidade para o câmbio, no qual renovou máximas históricas ao redor de R$ 6,00, a profissional do Ourinvest acredita que, tendo algum avanço na discussão sobre as reformas, é possível ver um dólar abaixo de R$ 5,00. “Do contrário, se o cenário for de continuidade da covid-19 e sem reformas na pauta do Congresso, a gente vai ver um câmbio desvalorizado no patamar de R$ 5,30 a R$ 5,40”, diz.

Apesar da forte desvalorização do real, que tem um dos piores desempenhos no ano entre as moedas globais, influenciada pela crise do coronavírus e pela queda livre da taxa básica de juros (Selic), o cenário de inflação ainda é bastante benigno, o que, combinado com o ritmo lento da economia, reforça a expectativa de manutenção do juro básico em nível baixo em 2020. Segundo a comunicação do Banco Central (BC), há espaço para um ajuste “residual” na Selic.

Mas o mercado financeiro se divide entre a ala que enxerga um espaço pequeno para uma queda adicional na taxa básica nos próximos meses, não superior a 0,25 ponto percentual (pp), e os que sugerem cautela na condução da política monetária nos meses à frente, mantendo a Selic em 2,25% até o fim do ano. E o fiel da balança nesse embate é tanto a trajetória fiscal quanto a do dólar.

“Na visão do BC, há dois fatores de risco [à inflação], a melhora da atividade já no terceiro trimestre e a incerteza do risco fiscal nos preços dos ativos, em especial a taxa de câmbio”, explica o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Para ele, a combinação da trajetória fiscal e da inflação corrente e projetada vai desenhar os próximos passos do BC. “Mas não vemos como podem ser diferentes de mais queda na Selic”, diz.

Já o economista-chefe do banco Haitong Brasil, Flávio Serrano, lembra que a taxa de juros está se aproximando de níveis que podem gerar “alguma instabilidade” nos preços dos ativos, no caso de eventuais novas quedas na Selic. “Como a atividade econômica deve mostrar alguma recuperação e não deve haver mudança considerável na perspectiva fiscal, parece que o BC encerrou mesmo o atual ciclo de flexibilização monetária”, afirma.

Com um novo corte ou não da Selic, Zeina pondera que a tendência de valorização do dólar no mundo deve seguir, mas com muita volatilidade no cenário local. “Isso exige muita proteção de quem investe em dólar. Exige disciplina porque lá fora já tem os fatores que pressionam a moeda, e aqui, temos motivos que provocam muitas incertezas como os ruídos políticos”, ressalta.

O gestor de investimentos, Paulo Petrassi, diz estar “mais otimista” em relação ao desempenho da bolsa do que o dólar. “Se uma Selic a 2,00% se confirmar, a gente pode acompanhar uma migração [de investimentos] mais forte para a bolsa. Tendo avanços na produção de uma vacina, se o cenário político sossegar e tivermos discussão em cima da agenda de reformas, podemos ter uma bolsa mais forte no ano que vem”, finaliza.