PERSPECTIVA: Quais os caminhos para o mercado de ações no Brasil em 2025?

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Foto: Svilen Milev / freeimages.com

São Paulo, 17 de dezembro de 2024 – Desconforto, desconfiança, falta de compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Esses são os sentimentos dos agentes financeiros para traçar a fotografia atual do mercado com o Ibovespa – principal índice da bolsa brasileira – em queda, dólar em alta e abertura forte da curva de juros futuros. Para 2025, os analistas do mercado financeiro ressaltam que o ponto nevrálgico é o freio de arrumação no primeiro semestre para colher bons frutos na segunda metade do próximo ano. As incertezas relacionadas à mudança de governo nos Estados Unidos e a eleição presidencial de 2026 no Brasil também estão nas contas dos investidores para o mercado de ações nos próximos meses.

Com esse freio de arrumação vindo por parte do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o segundo semestre pode ser benigno com o Ibovespa fechando o ano em 145 mil pontos. Atualmente, o Ibovespa está no patamar entre 124 mil pontos e 125 mil pontos. Nesta terça-feira, o Copom divulgou a ata da última reunião, realizada nos dias 10 e 11 de dezembro, com as motivações que resultaram na alta de 1 ponto percentual da taxa Selic, de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano, e na previsão de ajuste de mesma magnitude nas próximas duas reuniões de janeiro e março. No documento, os diretores da autoridade monetária defenderam o compromisso de direcionar a inflação para a meta e projetam os juros básicos em 14,25% ao ano em março de 2025.

“O primeiro semestre vai ser de freio de arrumação, é um choque de juros agora para reancorar as expectativas. Já temos uma Selic de 12,25% [ao ano] e com mais duas altas vai pra 14,25% [ao ano]. Esses efeitos de agora começam a ter resultado no segundo semestre de 2025. Depois vamos ficar bastante tempo em cenário de manutenção. Nossa expectativa é de que a Selic chegue ao final do ciclo em 14,25% a 15%”, aponta Daiane Gubert, head de assessoria de investimentos da Melver.

Daiane Gubert, head de assessoria de investimentos da Melver. Foto: Divulgação.

Na visão de Caio Henrique Soares Rodrigues, sócio da Átika Investimentos, com a inflação ancorada, reformas estruturais e uma âncora fiscal crível, a bolsa pode ter uma boa performance em 2025. “As reformas estruturais passando [no Congresso], o governo com mais responsabilidade fiscal e a gente conseguindo controlar a inflação, a bolsa tem tudo para subir”.

Thiago Lourenço, operador de renda variável da Manchester Investimentos, acredita que 2025 será parecido com este ano. “Depois do pacote de gastos, o mercado entendeu que o governo deve manter a falta de comprometimento para controlar os gastos de forma estrutural, contratando aumento das despesas para 2026, ano eleitoral com a isenção do IR. O mercado jogou a toalha de [que o governo vai se comprometer com o] déficit zero e superávit fiscal”.

João Vitor Araújo Saccardo, head da Mesa de Renda Variável da Convexa Investimentos, lembra que além dessas preocupações com o fiscal local, o cenário macro global é desafiador. “A eleição de Donald Trump nos EUA eleva a expectativa de elevação das tarifas e medidas protecionistas em relação à China e à Europa, também ameaça os Brics [Brasil, Rússia, India, China e África do Sul] em caso de criação de uma nova moeda. Com isso, o dólar fica mais forte e o mercado emergente perde e fica mais rentável aplicar nos EUA. Quando a taxa de juros caiu a 10,5% no Brasil, atraiu fluxo, mas agora, com a alta dos juros aqui, o cenário se inverteu. Nos EUA, os juros ainda podem cair, mas menos”, pontua.

Para Saccardo, no próximo ano, o mercado já começa a precificar o cenário eleitoral de 2026. “A direita tem mais foco no fiscal e se começar a indicar uma vitória, pode aliviar.”

Política começa a “fazer preço”

Na semana passada, após o Copom anunciar a elevação da Selic até março, o mercado assistiu a mais uma derrocada da bolsa. Os agentes financeiros entenderam que a postura dura do comitê foi assertiva, mas o remédio foi amargo.

Apesar dessa firmeza na condução da política monetária pelo Copom, Gubert enfatiza a necessidade da responsabilidade do governo com o fiscal, o calcanhar de Aquiles do mercado. “A gente teria de ter uma sinalização fiscal e política, e isso acho que não vai acontecer. O freio de arrumação é da política monetária. Em um ano, entraremos em ano eleitoral, e a história diz que essa época é de gastos”, observa a head de assessoria de investimentos da Melver.

Os agentes financeiros ressaltaram como “técnica” a decisão do diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, que a partir de janeiro assume a presidência do Banco Central. O mercado olha com muita atenção seus posicionamentos em razão de o presidente Lula ter feito a indicação. “Galípolo se mostrou técnico nesta reunião do Copom [dias 10 e 11]. Tem se mostrado comprometido em levar a inflação para dentro da meta [de 3% para este ano, com intervalo de tolerância de 1,5 porcentual, para cima ou para baixo], mas a gente precisa entender se politicamente ele vai administrar as pressões da camada mais extremista do partido [PT]”, afirma Gubert.

O mercado financeiro também reagiu negativamente ao tão aguardado pacote de contenção de gastos enviado ao Congresso pelo governo federal em novembro. Segundo o Ministério da Fazenda, as três matérias do pacote devem gerar uma economia de R$ 70 bilhões até 2026. As proposições precisam passar pelo crivo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e precisam ser aprovadas até sexta-feira (20), antes do recesso parlamentar que começa no dia 23 de dezembro. As medidas vieram junto com a isenção de imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil. Os agentes financeiros classificaram a medida como populista, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, rebateu afirmando que a reforma de renda que está sendo proposta é neutra em relação ao fiscal.

A gestora de recursos Azimut Brasil Wealth Management, em sua carta do mês de dezembro, comentou sobre o pacote: “Em um ano já marcado por intensas preocupações fiscais, o governo, que havia prometido um pacote de cortes de gastos, surpreendeu ao propor uma reforma do Imposto de Renda que pode criar pressão adicional para a inflação, sob o argumento de neutralidade fiscal. Essa iniciativa trouxe questionamentos à credibilidade da equipe econômica, que aparentava buscar um equilíbrio entre a urgente necessidade de revisão dos gastos públicos e as demandas eleitorais da atual administração. O resultado foi um pronunciamento televisionado que apresentou um ajuste fiscal insuficiente e com viés político no processo de comunicação”, avalia.

Na sua carta, Azimut argumenta que “com o desemprego em níveis historicamente baixos, a expansão do crédito e, agora, a implementação de medidas com potencial inflacionário vinculadas à reforma do Imposto de Renda, aumenta-se significativamente a possibilidade de uma inflação mais elevada nos próximos anos”.

Com isso, a gestora manteve uma estratégia de alocação bastante conservadora para todos os perfis de risco, reflexo de uma visão cada vez mais pessimista para o cenário fiscal brasileiro, além da continuidade do ajuste de expectativas no mercado, com cortes menores nas taxas de juros nos EUA, onde também considera como riscos inflacionários as possíveis repercussões das políticas fiscal e comercial do governo de Donald Trump. A sua exposição no mercado acionário segue abaixo do nível estrutural. “Com relação ao posicionamento, nossa abordagem reflete a prudência necessária frente às incertezas fiscais e macroeconômicas atuais, resultando em portfólios que possuem liquidez, resiliência e diversificação.”

O que pode favorecer as ações

Embora a questão fiscal e o internacional sejam apontados como entrave aos investimentos em renda variável, parte dos analistas citam que entre os vários papéis que estão baratos e com valuations descontados na Bolsa brasileira, empresas expostas ao dólar e defensivas podem se beneficiar dessa conjuntura de juros altos. “Nossas companhias estão bem-posicionadas e baratas. Embora o apetite do investidor esteja reduzido, quando se fala da qualidade das nossas empresas e preço, temos aspectos positivos que poderiam atrair investidores. Enquanto a posição [sobre o fiscal] não é clara, a aposta é para companhias resilientes, que fazem a proteção da inflação e do dólar, como as elétricas-Copel e Equatorial- saneamento, bancos-Itaú- e commodities e telecomunicações e agro. O fundamento dessas empresas está forte com bom retorno de dividendos, e com potencial de valorização. O agro vive de ciclos e está saindo de um ciclo ruim, se tiver estresse nos EUA pode ser bom pra gente”, explica Daiane Gubert, head de assessoria de investimentos da Melver.

Regis Chinchila, analista-chefe da Terra Investimentos, avalia que o atual múltiplo P/L de 7,5x do Ibovespa reflete o pessimismo do mercado em relação ao futuro econômico, mas setores mais resilientes, como infraestrutura e crédito privado, podem se beneficiar, especialmente com a emissão de papéis atrelados à inflação e a continuidade do crescimento de dividendos. “A demanda por ativos que ofereçam proteção contra a inflação deve continuar em alta, criando oportunidades nesse segmento. Setores como infraestrutura, especialmente aqueles ligados a debêntures e fundos imobiliários, podem ser beneficiados pela estabilidade de fluxos de caixa gerados por contratos longos e pela demanda por infraestrutura, que tende a ser mais resiliente em cenários de juros altos”, opina.

Régis Chinchila, analista-chefe da Terra Investimentos. Foto: Divulgação.

Caio Henrique Soares Rodrigues, sócio da Átika Investimentos, também acredita que os setores mais defensivos, como as empresas de energia elétrica, saneamento e empresas ligadas a commodities como Vale e Suzano seriam interessantes para 2025. “A gente aposta em setores mais defensivos, empresas de qualidade e descontadas”.

Rodrigues explicou que existem empresas a preços muito atrativos, semelhante à época da pandemia. “Se o investidor tiver paciência, pensar em [investimento de] longo prazo, fizer boa análise fundamentalista, e eventualmente quando o governo fizer alguma sinalização [sobre o fiscal], esses papéis vão passar a subir”.

Thiago Lourenço, operador de renda variável da Manchester Investimentos também reforça a visão sobre o valuation descontado para as ações em 2025. “O Brasil está crescendo [+0,9% no terceiro trimestre] e as empresas reportaram no 3T24 lucros acima da média das expectativas em praticamente todos os setores. Essas empresas estão absorvendo esse crescimento do País. Nível de valuation bastante descontado se comparado ao da avaliação em dólar em espaço para tomar risco pelo nível de preço”.

Outras empresas que se beneficiam desse cenário de dólar alto são as de proteína animal. Essas companhias têm hedge natural que é o dólar e foram as que mais subiram com esse cenário.

“O preço do boi gordo subiu tanto aqui como nos Estados Unidos, estamos em um ciclo pecuário aqui favorável. Talvez tenha apreciação do milho, soja, e com o dólar na casa dos R$ 6, essas empresas de commodities exportadoras vão faturar absurdamente. O cenário pode ficar como 2022 em que o call era commodities”.

O minério de ferro é um capítulo à parte. Lourenço explica que a China vai continuar com os estímulos em 2025, mas gradativamente o governo vai diminuindo a prioridade do setor imobiliário, apenas mantendo a liquidez necessária para continuar estável, para não ter problema de default.

Se houver um conflito intenso entre Estados Unidos e China, vai ter uma competição entre si para estimular a economia no sentido de mostrar quem supera mais o outro. “Esse cenário de estímulo é inflacionário, mas também de demanda por commodities. O minério para construção civil pode diminuir, mas pode ter demanda para outras frentes. A China pode restringir metais mais nobres dos Estados Unidos, o que talvez possa abrir uma janela de exportação. A Vale, por exemplo, tem metais mais nobres em seu portfólio”.

Outra ação ligada à commodity que pode ter um bom desempenho em 2025 é a Petrobras. A head da Melver está otimista com a ação. “É uma companhia que vai ter boa performance porque não vai ter tanto custo com investimentos, com Capex. A parte boa é que ela tem a questão da dolarização, mas na bomba do combustível tem o fim da paridade. A gente tem feito proteção na carteira dos clientes. Estou otimista em relação às contas para uma projeção de pagamento de dividendos. Com a interferência política, podemos ter reversão dessa leitura”, disse Daiane Gubert.

Outro setor de destaque é o financeiro. Gubert comenta que os bancos brasileiros têm robustez e apresentam boas ferramentas de crédito, e cita o Itaú como ação de preferência.

O operador de renda variável da Manchester diz que investir em bancos é positivo, mas explica que o único risco é o aumento da inadimplência em razão dos juros altos. Em termos de rentabilidade, superam as expectativas porque conseguem captar recursos a um custo baixo.

Para 2025, o investidor deve olhar as ações com carrego sólido, empresas com capacidade de boa geração de fluxo de caixa, boas pagadoras de dividendos e posição em dólar, reforça a Daiane Gubert. “O primeiro semestre vai desenhar o ano”, afirma.

Em caso de melhora fiscal brasileiro “temos um ambiente propício nas ações para que elas fiquem demandadas, que se valorizem”, afirma a head de assessoria de investimentos da Melver.

Incertezas que afastam os investidores

No entanto, mesmo com preços atraentes, as questões macro ou a atratividade de outros investimentos pode não ser suficiente para convencer os investidores a alocar recursos nas ações brasileiras. No acumulado do ano, a saída de fluxo estrangeiro da B3 já está em R$ 32 bilhões. Em novembro, foram retirados R$ 3,05 bilhões no mês, marcando o maior volume desde junho de 2024, quando a fuga havia alcançado R$ 4,23 bilhões.

“Olhando para trás, a última vez que vimos uma debandada dessa magnitude foi em 2016. Nos últimos nove anos, apenas em 2018 e 2019 tivemos saldos anuais negativos. E o cenário de 2024 é ainda mais alarmante: entre janeiro e novembro, apenas três meses – julho, agosto e outubro – registraram entradas líquidas positivas”, comenta a consultoria Elos Ayta.

“O impacto dessa fuga é significativo e multifacetado. Investidores estrangeiros têm um papel crucial na B3, não só pela liquidez que oferecem, mas também como um termômetro de confiança no país. Quando o dinheiro internacional começa a sair, o sinal é claro: há mais dúvidas do que certezas no horizonte. E, em um mercado globalizado, a percepção de risco é tudo”, avalia.

A saída de recursos estrangeiros também exerce pressão sobre o câmbio. Com menos dólares no mercado, o real se enfraquece, encarecendo importações e gerando um efeito cascata na inflação. Para empresas listadas na B3, especialmente aquelas com maior exposição internacional ou dependentes de capital externo, a situação pode se tornar ainda mais delicada, na avaliação da consultoria.

“O Brasil apresenta valuations mais descontados que os seus pares da América Latina. Os números são mais interessantes em razão do preço bom, potencial de valorização e bom pagamento de dividendos. Mas para capturar essas oportunidades, precisaria superar as questões fiscais e atrair os investidores estrangeiros”, alerta a head de assessoria de investimentos da Melver.

O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, avalia que a movimentação dos investidores estrangeiros no mercado de ações brasileiro não deve mudar. “Existe algum movimento, mas na maior parte do ano o fluxo foi mais de saídas e a tendência ainda é essa. Porque ele prefere estar exposto em outras partes.”

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. Foto: Divulgação.

Além disso, o cenário macro deve impactar negativamente alguns setores. As empresas alavancadas, mais sensíveis a juros e que dependem de financiamentos, da dinâmica do consumo da família, transportes, propriedades comerciais e siderurgia em razão da construção civil serão prejudicadas em 2025.

As companhias aéreas são exemplos negativos para um cenário de juros altos, por conta do preço do petróleo e da dolarização. Daiane Gubert diz que, com o aperto monetário, as empresas podem sofrer revisão dos potenciais lucros.

Lourenço reforça que o cenário pode ser mais difícil para as construtoras, os financiamentos começam a ficar inviáveis e os bancos vão diminuindo o apetite por crédito com risco de inadimplência.

O sócio da Átika Investimentos destaca que as empresas mais prejudicadas com esse cenário são as varejistas como Magazine Luiza e Grupo Casas Bahia. Também cita as construtoras como MRV e Cyrela, já que, com a alta de juros, diminui muito a facilidade do crédito imobiliário e afeta todo o setor de construção civil.

Gustavo Cruz avalia que o grande concorrente das ações, a renda fixa, tem entregado um rendimento ainda mais interessante. Portanto, a renda variável precisa crescer mais do que antes para concorrer com a renda fixa. “A questão é que isso não aconteceu, e a gente vê que desde o começo do ano há um interesse muito pequeno de investidor pessoa física em ações e que os fundos de pensão têm alcançado suas metas com a atual taxa de juros.”

“E ainda tem o investidor pessoa física com perfil mais arrojado, que agora tem mais uma opção para investir, que são as criptomoedas. Esse investidor não está mais interessado na renda variável de ações, sendo que ele pode ter um retorno ainda mais explosivo com as criptomoedas”, explicou Cruz.

Reportagem: Emerson Lopes emerson.lopes@cma.com.br / Soraia Budaibes – soraia.budaibes@cma.com.br (Safras News)

Edição: Cynara Escobar / Agência Safras News.

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