São Paulo – Acima do patamar de R$ 5,00 há seis semanas, o dólar deverá seguir pressionado frente ao real ao longo do segundo trimestre em reação aos impactos do novo coronavírus na economia e às incertezas provocadas pela pandemia. Nesta semana, a moeda norte-americana atingiu o patamar inédito de R$ 5,47 e não deve parar por aí.
“O dólar segue com viés de depreciação e quem disse que tem teto? Ele pode ir além dessa depreciação”, diz a economia Zeina Latif sobre o atual valor da moeda no qual poderá romper novo patamar nas próximas semanas. “É questão de tempo, de dias para chegar aos R$ 5,50. Não há limite”, acrescenta o economista da Guide Investimentos, Alejandro Ortiz.
Em meio à forte aversão ao risco com o avanço do novo coronavírus e hoje, com as perspectivas de crescimento econômico cada vez piores para o cenário global, os economistas apostam que a divisa estrangeira tende a manter a forte desvalorização ao longo do trimestre.
“A partir do momento em que a coisa passou a piorar para além das fronteiras da China, a corrida para ativos de segurança explodiu. A demanda por dólar aumentou como a gente nunca viu. O que reforça esse cenário de mais de um mês de dólar acima de R$ 5,00”, comenta Ortiz.
Para a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, câmbio acima deste patamar é uma realidade de curto prazo (três, quatro meses pelo menos) já que “não há fluxo” aqui. Ela se refere à saída recorde de recurso estrangeiro do país em 2019, ao redor de US$ 45,0 bilhões.
Segundo a economista, havia uma expectativa de crescimento para o país em 2020 e “esperança” de entrada de volume estrangeiro no mercado acionário. Porém, a pandemia mudou o cenário do câmbio.
“A falta de contribuição via contas externas é um fator adicional para sustentar a moeda nesse patamar. A gente entrou o ano com uma tendência de real desvalorizado por causa disso. Daí, a pandemia veio para piorar ainda mais esse cenário que já estava ruim internamente”, diz.
Latif reitera que o “direcional” ainda é o enfraquecimento do real, uma das moedas que mais se depreciou no ano, ao redor de 35% (ou R$ 1,40). “São vários fatores que estão interferindo na taxa de câmbio. Tudo está puxando para o enfraquecimento da nossa moeda. Tem dia que puxa mais, tem dia que puxa menos. Estamos em um momento de aversão ao risco muito grande”, salienta.
Para a economista, a “discussão” em torno das sucessivas quedas da taxa básica de juros (Selic), o que é visto como um dos principais fatores para a saída do investidor estrangeiro do país, está em segundo ou terceiro plano neste momento. “Mesmo que a taxa de juros estivesse mais alta, dólar estaria pressionado porque a aversão ao risco está muito alta”, diz.
Desde que a valorização da divisa se intensificou no início de março, o Banco Central (BC) tem tentado conter movimentos bruscos por meio de intervenções com a venda de dólares no mercado à vista – no qual a autoridade monetária já gastou US$ 28,0 bilhões das reservas cambiais levando aos menores patamares de 2011, abaixo de US$ 340,0 bilhões – e com vendas da moeda no mercado futuro, a operação de swap cambial tradicional.
Latif considera que as ações do BC têm efeito “limitado”, já que o mercado cambial está “muito” perigoso. “O Banco Central é como um juiz da partida [de futebol]. Ele intervém para baixar os ânimos em momentos de perdas do mercado”, salienta.
Ortiz, da Guide, explica que abril e maio serão meses delicados para os indicadores econômicos por trazerem um retrato das perdas das economias durante o período de isolamento social adotado pelos países na tentativa de conter a disseminação do vírus. “Até junho deveremos ver os efeitos também das medidas restritivas”, diz.
Já Latif pondera que, enquanto o sentimento não for de “finalmente passou”, o câmbio seguirá depreciado. “Tem muita gente querendo fazer posições, negócios. Só que cenário incerto é um veneno para os mercados”, finaliza.