Polarização põe propostas para a economia em segundo plano na corrida presidencial

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A polarização da eleição presidencial empurrou para o segundo plano o debate das propostas dos principais postulantes ao Palácio do Planalto. Enquanto temas de costumes, especialmente para agradar segmentos religiosos da sociedade brasileira, ganham destaque, a privatização de estatais, que já foi tabu em pleitos passados, o equilíbrio das contas públicas e as reformas administrativa, tributária e trabalhista viraram coadjuvantes na disputa deste ano.

 

“Esta eleição de 2022 não é uma eleição normal. Ela tem um nível de radicalização, de polarização e de enfrentamento que, na minha opinião, tem deixado o debate de propostas sobre o futuro num segundo plano”, afirmou o professor Josué Medeiros, cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Para Medeiros, em vez de planos para o desenvolvimento do país, nesta campanha eleitoral, a discussão tem sido pautada pelos ataques do presidente Jair Bolsonaro às instituições e às urnas eletrônicas e consequentemente pelo debate em torno do respeito ao resultado da votação de outubro. “Nestas eleições as propostas estão tendo menos importância que costumam ter e que deveriam ter”, disse o cientista político.

 

Confira a entrevista completa com Medeiros abaixo:

 

 

 

PLANO DE LULA

A polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fica mais evidente na comparação dos programas de governo. Enquanto Bolsonaro promete ampliar e fortalecer o processo de desestatização e concessões da infraestrutura, Lula se opõe às privatizações, citando a Petrobras, a Pré-Sal Petróleo, a Eletrobras e os Correios.

 

As quatro foram incluídas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo Bolsonaro. “Opomo-nos fortemente à privatização, em curso, da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo”, diz o documento da Coligação Brasil da Esperança protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A expressão “opomo-nos” é usada também em relação à privatização da Eletrobras e dos Correios.

 

O plano de governo petista fala em “o proteger o patrimônio do país e recompor o papel indutor e coordenador do Estado e das empresas estatais para que cumpram, com agilidade e dinamismo, seu papel no processo de desenvolvimento econômico e progresso social, produtivo e ambiental do país”.

 

No documento, a aliança integrada por PT, PSB, PCdoB, PV, PSOL, Rede Sustentabilidade, Solidariedade, Avante e Agir, se compromete a investir nas potencialidades da economia brasileira e suas principais frentes de expansão para retomar o crescimento no país. Cita o mercado interno, as estatais, as infraestruturas econômicas, urbanas e sociais, bem como o uso sustentável dos recursos naturais estratégicos, com inovações industriais e proteção dos bens de uso comum.

 

Na linha da desconstrução de programas de outros governos, o plano dos petistas é “recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento”. O caminho para isso é revogar o teto de gastos – implantado no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e mantido por Bolsonaro -, bem como rever o regime fiscal brasileiro.

 

A reforma tributária, segundo o economista Aloizio Mercadante, coordenador do grupo de trabalho que propôs as diretrizes do plano de governo petista, está na agenda a ser debatida no futuro com o setor produtivo no caso de vitória de Lula. O plano de governo propõe “uma reforma tributária solidária, justa e sustentável”, com simplificação de tributos e na qual “os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”.

 

“Como vamos ter uma estrutura tributária mais simples, mais eficiente, que desburocratizar a vida das empresas, reduza custos, reduz impostos sobre a folha de pagamento e, ao mesmo tempo, tenha progressividade”, disse Mercadante a empresários da construção civil. “Temos que reduzir os impostos indiretos e aumentar impostos sobre a renda e sobre a riqueza, especialmente sobre a renda”, completou.

 

Inicialmente os petistas falavam na revogação da reforma trabalhista, aprovada no governo Temer, mas o plano de governo propõe o debate de uma nova legislação trabalhista, que contemple proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho. Sugere ainda a reestruturação sindical, com respeito à autonomia das entidades, inclusive na definição do seu financiamento.

 

Para gerar empregos no país, o plano de Lula propõe investimentos em infraestrutura e em habitação, reindustrialização com novas bases tecnológicas e ambientais, reforma agrária e estímulo à economia solidária, à economia criativa e à economia verde. Sugere ainda apoiar o cooperativismo, o empreendedorismo e as micro e pequenas empresas.

 

O plano petista prevê a retomada da política de valorização do salário mínimo, de forma a recuperar o poder de compra dos trabalhadores e dos beneficiários das políticas previdenciárias e assistenciais, “essencial para dinamizar a economia, em especial dos pequenos municípios”.

 

Outra proposta da Coligação Brasil da Esperança é a restruturação da seguridade e da previdência social, visando inclusão dos trabalhadores, a partir de um modelo que concilie o aumento da cobertura com o financiamento sustentável. Para o PT, “o desenvolvimento econômico, a geração de empregos e a inclusão previdenciária serão centrais para a sustentabilidade financeira do regime geral de previdência social”.

 

Substituído pelo Auxílio Brasil no governo Bolsonaro, o Bolsa Família volta à cena com o plano de governo de Lula. Pelo texto, o programa terá foco no combate à fome e ao trabalho infantil, garantindo cidadania aos mais vulneráveis e visando uma renda básica de cidadania.

 

JAIR BOLSONARO

 

O plano de Governo do presidente Bolsonaro possui 48 páginas e foi intitulado de “Pelo bem do Brasil”, que se divide em 6 macrotemas: economia, tecnologia e inovação; saúde, educação e social; segurança e defesa; infraestrutura logística; sustentabilidade ambiental; governança e geopolítica.

 

No que tange a Reforma Tributária, já em pauta no Congresso, o presidente, caso reeleito, coloca a meta de simplificar a arrecadação do sistema tributário brasileiro, aumentando a sua progressividade e o tornando concorrencialmente neutro.

 

Bolsonaro também propõe que a nova legislação trabalhista aprovada será mantida com segurança jurídica, ajudando a combater abusos empresariais e de sindicatos que também não podem ter a capacidade de agir como monopólios.

 

Sobre uma eventual Reforma Administrativa, o plano defende que ocorram reformas estruturantes, onde irá priorizar a valorização do servidor público, defendendo que a redução de gastos decorrentes da pandemia, o aumento da produtividade e a maior oferta de serviços digitais para a população favorecerão a implementação de reposições salariais aos servidores.

 

O texto não trata diretamente sobre Reforma Agrária e Reforma Política.

 

Quanto às privatizações, o plano de Governo do presidente trata diretamente apenas da Eletrobras, chamada de “bom exemplo de que é possível e de que os resultados positivos são praticamente imediatos, pois estimula a oferta de energia, a competitividade e a livre concorrência e a captação de mais investimentos para o setor”.

 

O programa não menciona expressamente o Teto de Gastos.

 

No que tange o combate à corrupção, propõe um fortalecimento de medidas já adotadas no governo de 2019 a 2022. Pretende priorizar o trabalho na ampliação, na consolidação e na priorização das estruturas de controle interno em todas as áreas, para coibir e evitar desvios no trato da coisa pública.

 

O programa também afirma que as parcerias externas do Brasil devem andar de mãos dadas com as diretrizes e objetivos da política econômica, com foco na geração de emprego, na diversificação produtiva e exportadora, e no crescimento da economia com base na liberdade de empreendimento. Propõe também ampliar e aperfeiçoar os mecanismos existentes, enquanto viabilizam outros. Foco no desenvolvimento tecnológico do cenário econômico internacional, como a digitalização, o mercado de blockchain, a nova fase da revolução industrial 4.0, a realocação geográfica de cadeias produtivas e um amplo leque de recursos energéticos abundantes, serão criadas condições para atrair investimentos internacionais que auxiliem no desenvolvimento econômico, na geração de empregos e no bem-estar social. Propõe o estímulo ao setor empresarial, com redução de impostos, incentivos à P&D e linhas de crédito e financiamento.

 

Quanto ao combate ao desemprego, o programa afirma que esta é uma agenda de prioridade no plano de governo para o próximo mandato, trabalhando no avanço da empregabilidade de jovens e mulheres, dois públicos que ainda sofrem com taxas de desemprego mais altas que a média da população, investindo em medidas de empreendedorismo e microcrédito para os mais vulneráveis.

 

O programa trata como essencial a entrada do Brasil na OCDE, e aguarda o resultado do Peer Review de Integridade Pública, que possibilitará a adesão formal do país à Recomendação de Integridade Pública do Conselho da OCDE. Afirma também que o Plano de Governo foi trilhado reforçando conceitos democráticos, atraindo investimentos e tecnologia de ponta, promovendo e diversificando relações econômicas e incrementado o relacionamento de Estado com países que comuniquem desses mesmos princípios. O processo de acessão plena à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem ao encontro desses objetivos.

 

Por fim, o plano é isentar os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos durante a gestão 2023-2026.Fala sobre as mudanças já implementadas pelo governo no último mandato, citando a proposta de correção de 31% na tabela do imposto de renda, quando prega sobre a liberdade econômica.

 

Afirma que o governo continuará com os esforços de garantir a estabilidade econômica e a sustentabilidade da trajetória da dívida pública através da consolidação do ajuste fiscal no médio e longo prazo que reduza a relação entre a dívida pública e o PIB.

 

CIRO GOMES

O candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, lançou o Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), plano que vem sendo construído em debates pelo país. A partir desse plano, Ciro pretende que o Brasil se torne “um país que volte a crescer, gerando empregos, distribuindo renda e melhorando a qualidade de vida das pessoas”.

 

O programa parte de um princípio fundamental: retomar o crescimento de forma economicamente sustentável. Segundo o programa do PDT, isso significa gerar empregos e garantir a estabilidade de preços, a partir de um pacto entre os setores público e privado, com metas de crescimento econômico e cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas.

 

No processo de retomada do crescimento econômico, Ciro propõe retomar obras de infraestrutura logística e social, em especial as que estão atualmente paralisadas. Para isso, o setor público deverá recuperar a capacidade de financiar as políticas públicas, sem comprometer o equilíbrio fiscal. O candidato propõe a criação de um fundo para investimento em infraestrutura, que contemplaria o setor social e as áreas de transportes, saneamento, telecomunicações, energia e logística.

 

Assim, pelo programa do PDT, seria necessária uma reforma tributária com redução de subsídios e incentivos fiscais, criação do imposto sobre lucros e dividendos e taxação das grandes fortunas. O projeto prevê uma mudança na composição da carga tributária nacional, com redução dos impostos sobre a produção e o consumo e a elevação dos tributos sobre a renda.

 

Conforme o programa do PDT, a estratégia de desenvolvimento vai se basear em quatro complexos industriais: agronegócio, saúde, defesa e petróleo, gás e derivados. A ideia é criar um conjunto de políticas públicas para incentivar esses complexos nas áreas de pesquisa e inovação, financiamento, compras públicas e exportações.

 

O Projeto Nacional de Desenvolvimento prevê o fortalecimento da Petrobras, com a ampliação da capacidade de refino no país, mas propõe uma mudar a política de preços dos combustíveis adotada pela estatal. A ideia central é que a Petrobras passe a desenvolver fontes limpas de energia.

 

O candidato volta a propor a renegociação das dívidas das famílias e das empresas, com menores taxas de juros e prazos mais longos para quitação, envolvendo os bancos públicos, em especial a Caixa e o Banco do Brasil. A proposta é dar um desconto de 70% no total da dívida e dividir o pagamento do saldo em até 36 vezes, com três anos de carência.

 

Ciro propõe um plano emergência de empregos, com a criação de 5 milhões de vagas nos primeiros dois anos de governo, a partir da ampliação dos investimentos públicos e do estímulo à construção civil. Para isso, seriam retomadas obras paralisadas de habitação, saneamento, transporte público e mobilidade urbana. Segundo o PND, atualmente há 14 mil obras paralisadas no país.

 

Em outra ponta, deve ser criado um programa de renda mínima que vai incluir o Auxílio Brasil, o Seguro Desemprego e a Aposentadoria Rural. Pelo PND, essas medidas, juntamente com a geração de emprego, vai combater a fome e a miséria no país.

 

SIMONE TEBET

 

O programa de governo da candidata Simone Tebet, da coligação Brasil Para Todos, tem quatro grandes eixos: combate às desigualdades sociais, compromisso com a economia verde, construção de um governo parceiro da iniciativa privada e transparência, inclusão e combate a todas as formas de preconceito e discriminação. Cada eixo tem metas objetivas definidas a partir de políticas públicas, com “transparência de gastos e responsabilidade no trato do dinheiro público”.

 

Segundo o coordenador do programa de governo da candidata do MDB, Germano Rigotto, as diretrizes passam pelo compromisso com o teto de gastos públicos, mas com possibilidade de ajustes do mecanismo em relação a temas prioritários como saúde e educação. O programa de Tebet prevê a volta do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que, no governo Bolsonaro, foi anexado ao Ministério da Economia, juntamente com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criando uma superpasta.

 

“A nossa proposta é recuperar o poder do Estado sobre o orçamento”, disse Rigotto à Agência CMA, condenando o chamado orçamento secreto, atualmente manipulado pelo comando do Congresso Nacional para aprovar medidas de interesse do Palácio do Planalto. A ideia é elaborar o orçamento da união a partir do programa plurianual, baseado em metas de médio e longo prazos e prioridades claras.

 

Entre as diretrizes do programa elaborado pela coligação Cidadania, MDB, Podemos e PSDB está a retomada do crescimento sustentável da economia, com controle da inflação e das contas públicas, mas incentivando o aumento da renda, a geração de emprego e de oportunidades de trabalho. O programa de Tebet defende o cumprimento do tripé macroeconômico, “com metas de inflação críveis e respeitadas, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante.

 

A candidata promete fazer uma reforma tributária, nos seis primeiros meses de gestão, tomando como base textos em tramitação no Congresso Nacional. Os principais objetivos, conforme o programa de governo, são simplificação e justiça social.

 

A proposta passa pela mudança dos tributos sobre o consumo, para permitir justiça social, simplificação, progressividade e neutralidade ao sistema tributário brasileiro, com a modernização dos mecanismos de desenvolvimento regional, a criação de um fundo constitucional para compensar os estados e dos municípios do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em outra ponta está a reforma do imposto sobre a renda, para eliminar a regressividade do nosso sistema.

 

A coligação de Tebet se compromete também com a privatização de estatais, a concessão de serviços públicos e as parcerias público-privadas, “com objetivo de criar maior competição, eficiência e aumento de produtividade da economia”. O programa de governo fala em reorganizar a presença do Estado na economia e destinar os recursos das privatizações às políticas sociais de redução da pobreza e à educação infantil.

 

“A educação é a prioridade das prioridades”, afirmou Rigotto. Para cumprir o compromisso com a educação, o programa de governo prevê o fortalecimento do Ministério da Educação, que terá a responsabilidade de coordenar a política educacional no país, atuando em parceria com os estados e os municípios para construir uma rede pública desde a creche, passando pela educação infantil, as escolas em tempo integral e o ensino médio técnico-profissionalizante.

 

O programa de governo prevê a criação de um programa permanente de transferência de renda, com visando as famílias mais vulneráveis, a promoção das condições de saúde, a educação e a assistência social dos beneficiários, o estímulo ao acesso ao mercado de trabalho e a oportunidades de emprego e renda. Propõe ainda um benefício de renda mínima para eliminar a pobreza extrema, levando em conta a composição familiar e a insuficiência de renda, além do fortalecimento do Cadastro Único para melhorar a focalização dos programas sociais.

 

“Temos um programa de governo bem elaborado e factível e uma candidata com bagagem política, experiência e capacidade de articulação e coordenação desse programa”, afirmou Rigotto, destacando ainda que Tebet entra em uma disputa polarizada entre PT e PL com uma “capacidade de pacificação”.

 

Luiza Damé e Pedro de Carvalho / Agência CMA

 

Edição: Dylan Della Pasqua / Agência CMA