Presidência do Brasil no G20 propõe construir “nova globalização” com foco socioambiental

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Fernando Haddad, ministro da Fazenda, em reunião no G20 nesta quinta-feira (24.10.2024). Foto: Diogo Zacarias/MF.

São Paulo, 24 de outubro de 2024 – Em discurso na abertura da plenária ministerial do G20, na manhã desta quinta-feira, em Washington, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que presidência do Brasil no G20 buscou consenso, entregou documentos históricos e uma agenda com recomendações para ampliar o acesso a fundos verticais e ambientais e uma série de Notas do G20 sobre questões como desigualdade, dívida e mudança climática. Em sua fala, o ministro propôs construir uma “nova globalização, centrada na solução dos imperativos socioambientais que a onda anterior de globalização não conseguiu resolver”.

Segue a íntegra do texto do discurso abaixo:

“Senhoras e senhores, Ministras, Ministros, Presidentes de Bancos Centrais e líderes de organizações internacionais parceiras. É com grande satisfação que abro esta última sessão da trilha de finanças do G20 em 2024. Trata-se de uma sessão histórica.

No mesmo ano em que celebramos o octagésimo aniversário das Instituições de Bretton Woods, celebramos também os 25 anos da Trilha Financeira do G20. A coincidência dos dois aniversários permite-nos refletir sobre a evolução da governança econômica global com uma perspectiva de longo prazo.

É um fato histórico pouco reconhecido que países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, estiveram presentes na conferência de Bretton Woods e contribuíram decisivamente para a definição da arquitetura financeira global ao fim da Segunda Guerra Mundial. Anos mais tarde, a criação dos Direitos Especiais de Saque, nas Reuniões Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizadas no Rio de Janeiro, em 1967, mostrou mais uma vez que, trabalhando juntos, podemos realizar o que antes parecia impensável.

No entanto, é também verdade que logo após a Conferência de Bretton Woods, um mundo extremamente polarizado deixou muito pouco espaço para as prioridades econômicas do então chamado Terceiro Mundo. Por quase meio século, o poder de definição de agenda e o processo de tomada de decisão no FMI e no Banco Mundial e em outros foros econômicos, como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) , estiveram em grande parte nas mãos dos países do auto-proclamado Primeiro Mundo, com as economias emergentes permanecendo cronicamente sub-representadas.

Com o fim da Guerra Fria e a aceleração da globalização na década de 1990, surgiu uma oportunidade única de reimaginar a governança econômica global de uma maneira mais inclusiva. A Trilha Financeira do G20 é um produto daquela época.

Nossos predecessores identificaram claramente o que chamaram de o “desafio da globalização”. Eles previram um fórum onde países sistêmicos tanto do Norte Global quanto do Sul Global coordenariam suas políticas domésticas para prevenir crises e enfrentar novos desafios globais. Com o tempo, essa nova coordenação provaria seu valor, inclusive por meio da reforma das instituições de Bretton Woods após a Crise Financeira Global de 2007-2008 e, crucialmente, durante os tempos difíceis da pandemia da Covid-19.

A própria existência do G20 é prova de que a governança econômica global evoluiu, refletindo mudanças importantes na economia global. Ao mesmo tempo, os desafios globais se multiplicaram muito além do que nossos predecessores previram. Policrise é uma nova expressão que entrou no léxico econômico global nos últimos anos. Quero destacar cinco desafios urgentes que nenhum país pode enfrentar sozinho. Devemos aprofundar a cooperação econômica global para enfrentá-los juntos.

Primeiro, mudanças nos padrões de produção e circulação criaram uma nova realidade econômica global. Enquanto a produtividade de algumas empresas cresceu enormemente, as taxas de investimento e crescimento do PIB diminuíram em vários países, com algumas exceções relevantes. É imperativo que o G20 continue a promover políticas capazes de apoiar um crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo em todo o mundo.

Segundo, essas mesmas mudanças causaram uma concentração sem precedentes de renda e riqueza. A desigualdade aumentou dramaticamente em vários países. O Brasil considera esse um tópico particularmente importante. Por isso defendemos que o G20 assuma uma nova e ambiciosa agenda de tributação. Devemos agir juntos para garantir que os super-ricos paguem sua cota justa em impostos de modo a combater a desigualdade.

Terceiro, a mudança climática é agora uma realidade. Trata-se de nada menos que uma ameaça existencial à vida como a conhecemos. Devemos, portanto, focar em aumentar substancialmente o financiamento climático. Precisamos facilitar transições energéticas rápidas e equitativas, compatíveis com a proteção de vidas, meios de subsistência e biodiversidade ao redor do mundo.

Quarto, embora juntos tenhamos enfrentado a pandemia da COVID-19 e melhorado nossa capacidade coletiva de lidar com emergências globais de saúde, ainda há muito a ser feito nessa área. Os riscos de uma nova pandemia continuam a aumentar, exacerbados pela perda de biodiversidade e pelas mudanças climáticas. O G20 precisa, portanto, aumentar significativamente os investimentos em prevenção, preparação e resposta à pandemias, bem como investir nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável relacionados à saúde.

Finalmente, estamos em uma nova era de instabilidade e fragmentação política e econômica. Juntos, precisamos continuar a avançar nas reformas de governança econômica global, atualizando e modernizando as instituições existentes e equipando-as para lidar com os desafios que acabei de mencionar.

Esses desafios devem ser enfrentados com um sentido de pragmatismo e urgência. O mundo espera do G20 soluções concretas e factíveis. Mas precisamos também ir além e oferecer à humanidade a perspectiva de uma vida melhor, olhando não apenas para o futuro imediato, mas para o médio e o longo prazos.

Ao final da Presidência Brasileira do G20, à luz do compromisso inabalável do Brasil com os mais pobres e vulneráveis, com o multilateralismo, e com o combate à fome e pobreza, tenho o orgulho de anunciar que o Brasil voltará a contribuir com a IDA.

Precisamos ter a coragem de reafirmar uma visão generosa do nosso futuro comum enquanto humanidade, unindo o fim da fome e da miséria, o combate a todas as formas de exclusão social, a chance de prosperidade para todos, e o enfrentamento decidido à crise climática. O desenvolvimento de cada um deve ser visto como uma condição para o desenvolvimento de todos. Recuperar a nossa capacidade de sonhar com um mundo melhor talvez seja o grande desafio do nosso tempo.

Senhoras e senhores, juntos, podemos construir uma nova globalização, centrada na solução dos imperativos socioambientais que a onda anterior de globalização não conseguiu resolver.

Essa foi a visão da Presidência Brasileira do G20 de 2024. Buscando consenso, entregamos documentos históricos, incluindo a Declaração do Rio de Janeiro sobre Cooperação Tributária Internacional, o Roteiro do G20 para Bancos Multilaterais de Desenvolvimento Melhores, Maiores e Mais Eficazes, uma agenda com recomendações para ampliar o acesso a fundos verticais e ambientais e uma série de Notas do G20 sobre questões como desigualdade, dívida e mudança climática.

Trabalhamos também com a trilha de sherpas em temas crucias como o combate à fome e à mudança climática. Convocamos mais de trinta reuniões e entregamos dezenas de documentos de consenso. Foi uma honra e um prazer servir como presidente da trilha de finanças do G20 e trabalhar com as senhoras e os senhores.

Hoje, quero celebrar os resultados que alcançamos juntos em 2024 e passar o bastão para a África do Sul. Dou as boas-vindas à presidência sul-africana com a satisfação que só o trabalho bem-feito pode produzir, mas também ciente de que ainda há muito a ser feito nas próximas décadas. O Brasil continua comprometido em fortalecer a governança econômica global e a cooperação internacional. Contem com o Brasil para continuar apoiando a trilha financeira do G20.

Nesse ponto, sou imensamente grato pelo trabalho da Embaixadora Tatiana Rosito. Sua liderança, visão e espírito positivo fizeram toda a diferença durante este G20.

Para encerrar, nesta sessão em que celebramos os 25 anos da trilha de finanças do G20, gostaria de convidá-los a pensar além da presente conjuntura econômica global e refletir sobre a trajetória do G20 e os desafios de longo prazo que ainda precisamos enfrentar juntos. Estou ansioso para ouvir suas opiniões e continuar trabalhando com as senhoras e os senhores para enfrentar os desafios globais mais importantes do nosso tempo. Obrigado.”

Cynara Escobar – cynara.escobar@cma.com.br (Safras News)

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