São Paulo – A agência de classificação de risco Fitch Ratings avalia que o teto proposto para as taxas de juros para operações de cartão de crédito rotativo no Brasil, conhecido como “crédito rotativo”, deverá pressionar o modelo de negócios e o fluxo de receitas de várias instituições financeiras não bancárias (NBFIs) e bancos orientados para o financiamento ao consumo, potencialmente com impactos de classificação negativos ao longo do tempo em casos selecionados. Em nota assinada pelo diretores Pedro Carvalho e Claudio Gallina, a agência aponta que a alteração proposta, se aprovada, influenciará materialmente o modelo de negócios geral de algumas entidades, limitando potencialmente o acesso ao cartão de crédito pelos clientes em geral e reduzindo a inclusão financeira no país.
A Fitch lembra que a regulamentação em vigor estabelece que o rotativo só pode ser utilizado pelos clientes no prazo de 30 dias caso o cliente não consiga pagá-lo integralmente, a instituição é obrigada a oferecer melhores condições de financiamento do valor residual, conhecido como “crédito parcelado” ou financiamento com cartão. Já o novo projeto, se aprovado, exigirá que os participantes do mercado, incluindo associações de mercado e reguladores, discutam e proponham alternativas (no nível atual da taxa de juros do produto de cartão de crédito rotativo). Caso não haja consenso até 90 dias após a aprovação do projeto, será estabelecido um limite oficial de taxa de juros máxima de 100%.
“Na opinião da Fitch, uma mudança para níveis de taxas de juros substancialmente mais baixos para o produto de cartão de crédito rotativo tem o potencial de reduzir drasticamente o apetite por crédito, fazendo com que os limites de crédito dos clientes sejam reduzidos. Isto é particularmente sensível para bancos de médio porte de nicho, neobancos e administradoras de cartão de crédito estes últimos comumente focados em clientes de baixa renda”, afirma a agência.
Nesse cenário, a Fitch destaca o risco de redução da inclusão financeira e maior concentração de mercado devido a esse limite, ao limitar o número de players que fornecem acesso a produtos de crédito e serviços, especialmente Fintechs que na última década cresceram fornecendo cartões de crédito e contas correntes gratuitas para clientes.
A Fitch também prevê um impacto nas métricas de rentabilidade, devido ao estreitamento significativo das margens para os participantes menores, especialmente aquelas entidades que não estão autorizadas a captar depósitos e têm um custo mais elevado e uma estrutura de financiamento mais sensível, tipicamente ancorada em recursos próprios, empréstimos interbancários e principalmente securitização. veículos para apoiar o crescimento.
Na opinião da Fitch, esta pressão nos lucros poderia potencialmente forçar muitas destas entidades especializadas (tanto IFNB como bancos) a sair do mercado. Além disso, o aumento do negócio de cartões de crédito de bancos maiores com franquias mais fortes, tanto do lado do ativo como do passivo, também poderá levar a uma maior consolidação no negócio de cartões de crédito.
“Esta medida, se aprovada, afetaria em maior ou menor grau, dependendo de cada entidade uma série de fatores-chave de classificação, como: apetite ao risco (principalmente crescimento), lucros e rentabilidade e qualidade dos ativos. A Fitch acompanhará de perto as instituições financeiras e perfis financeiros potencialmente afetados, monitorando as alterações nas taxas de juros e/ou tetos estabelecidos. Potenciais ações de rating negativas não podem ser descartadas, embora sejam mais prováveis de ocorrer no médio prazo, se é que ocorrerão”, escrevem os diretores.
Dados do setor
Em sua nota, a Fitch aponta que, em 2022, as transações com cartão de crédito atingiram R$ 2,1 trilhões (US$ 420 bilhões), ou 63,4% de todas as transações com cartão no Brasil (incluindo cartões de crédito, débito e pré-pagos), 29,4% maior em volume quando comparado a 2021, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (ABECS). Dados do Banco Central mostram que, para as operações de varejo, os cartões de crédito representam mais de 15% de todo o saldo devedor do sistema financeiro em junho de 2023 e 70,5% de todas as concessões de crédito de varejo combinadas nos últimos 12 meses, diz a Fitch, na nota.
Historicamente, as operações com cartão de crédito tiveram as taxas de juros mais altas. Em 30 de junho de 2023, as taxas de juros atingiram a média de 446% ao ano para o rotativo e 198,4% para o financiamento das linhas de cartão de crédito. Os elevados níveis de spread são impulsionados por um nível historicamente elevado de inadimplência e de perdas de crédito efetivas para todas as entidades mais de 50% das operações renováveis eram empréstimos inadimplentes (NPLs) em junho de 2023 enquanto perto de 10% do crédito as operações de financiamento de cartões eram NPL.
Segundo o Banco Central, das 63 instituições reguladas que operam diretamente com cartão de crédito, apenas nove reportaram taxa média de juros abaixo do teto proposto de 100%, aponta a Fitch.