Risco fiscal pode fazer água no teto do ICMS e pressionar ainda mais combustíveis

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São Paulo, 29 de junho de 2022 – Virou água. É este o sentimento do mercado após a euforia com a aprovação do teto do ICMS com a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que limita a aplicação de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis.

O projeto prevê a incidência da alíquota do imposto para gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. Segundo a matéria, esses produtos seriam classificados como essenciais e indispensáveis, levando à fixação da alíquota do ICMS em um patamar máximo de 17% ou 18% (a depender da localidade), inferior à praticada pelos estados atualmente. O PLP também prevê a compensação da União às perdas de receita dos estados quando ultrapassar 5%.

O objetivo é reduzir impactos de aumentos de preços sobre a população, mas com o avanço do dólar, que opera pressionado nos últimos dias, cotado acima do patamar de R$ 5,10, é difícil imaginar quando a inciativa repercutirá no bolso do brasileiro.

Outro fator que promete fazer água na medida é o reajuste de combustíveis promovido pela Petrobras, o que está promovendo uma verdadeira guerra entre o Governo e a diretoria da estatal.

Em junho, o preço médio de venda de gasolina da Petrobras para as distribuidoras passou de R$ 3,86 para R$ 4,06 por litro (alta de 5,18%). Para o diesel, preço médio de venda da Petrobras para as distribuidoras passou de R$ 4,91 para R$ 5,61 por litro (alta de 14,26%).

Um estudo da CM Capital estima que, sem a aprovação do PLP e com reajuste do preço, a gasolina pode custar entre R$ 9,59 e R$ 10,48 até o fim do ano. “Neste cenário, consideramos que existiria grande probabilidade de que a contribuição para o IPCA respeitasse o piso de 1,67 p.p. e o teto de 2,3 p.p.”, afirmou a casa em documento.

Contemplando a alíquota máxima de ICMS de 17%, entretanto, a CM Capital estima que o preço da gasolina pode ficar entre R$ 7,81 e R$ 8,50.

“A iminência da aprovação do PLP 18 faz com que o reajuste do preço seja significativamente menor, mas, ainda assim, negativo em termos de contribuição inflacionária”, alerta a casa. “Neste caso, o cenário com maior probabilidade de acontecer é composto por um piso de 0,55p.p. adicionais e um teto de 1,2 p.p. adicionais sobre o IPCA de 2022”, prossegue.

O último cenário simulado traz a alíquota máxima dos impostos estaduais para 17% e a zeragem dos impostos federais. Neste caso, a gasolina custaria entre R$ 6,90 e R$ 7,31 ao consumidor final. “Neste caso, o cenário com maior probabilidade contempla a contribuição deflacionária de 0,3p.p. no melhor cenário e a contribuição inflacionária de 0,08p.p. como o pior cenário”, completa.

A CM Capital não descarta um movimento de aumento do lucro dos postos de combustíveis em termos relativos e absolutos.  “Nestes cenários, haveria a suavização do impacto potencial da medida, uma vez que os ganhos seriam incorporados às margens de lucro dos comerciantes”.

Ainda assim, em nota, a Federação Nacional de Distribuição de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom) afirmou que vai levar alguns dias para que as distribuidoras de combustíveis e postos revendedores renovem os estoques, portanto que se façam valer os novos valores.

“Necessário se faz tornar público que mesmo após a sanção presidencial e a publicação por parte dos estados e distrito federal da normatização de suas novas alíquotas de ICMS, serão necessários alguns dias para que os estoques das distribuidoras e dos postos revendedores sejam renovados com produtos faturados já com a diminuição desses tributos”, afirmou a entidade.

Inflação

De acordo com Fabrício Henrique Silvestre, economista do TC Matrix, o impacto da medida sobre o mercado de juros no país ocorre sob duas pontas. Na primeira, há um aumento da percepção de risco fiscal, que pode levar ao aumento da taxa de juros neutra do país. “Ou seja, os prêmios de risco exigidos para a rolagem da dívida aumentam”, disse.

Isso pode colocar em risco a melhora do panorama fiscal no pós-pandemia, que ocorreu por conta de dois fatores, segundo o economista. “Primeiro, pelo avanço expressivo das receitas fiscais, que reflete tanto os resultados extraordinários das companhias exportadoras, em resposta à alta nos preços internacionais de commodities, quanto o resultado de inflação acima do esperado”, disse. “Segundo, em especial, pelo compromisso com a austeridade fiscal e o ‘congelamento’ dos reajustes salariais do funcionalismo público”, completou.

Silvestre, do TC Matrix, alerta para deterioração da inflação para prazos mais longos

Outro impacto possível para o novo teto do ICMS é uma possível deterioração das expectativas de inflação para prazos mais longos, por conta do estímulo à atividade e da falta de sustentabilidade dos cortes de impostos para os próximos anos. “Sendo assim, os agentes esperam que o Banco Central tenha que aumentar a taxa de juros básica adiante para controlar e ancorar as expectativas de inflação”, afirmou.

Por outro lado, segundo Silvestre, a medida mostra que existe um descasamento entre as políticas fiscal e monetária, uma vez que o Banco Central tem aumentado os juros para desaquecer a demanda e controlar preços, e o Legislativo e o Executivo têm se empenhado a baixar impostos, o que estimula a demanda e impulsiona os preços. “A combinação desses fatores dificulta o cumprimento da meta de inflação e gera controvérsias que impactam negativamente o mercado”, disse.

Ainda assim, o economista crê que, não havendo mudanças de cenário, a medida deve gerar um impacto de cerca de 1,1 ponto percentual na expectativa de inflação para 2022, resultando na revisão da expectativa do TC Matrix para o IPCA de 8,80% para 7,70%. “Em contrapartida, projetamos um avanço da inflação para 2023, que passou de 4,50% para 5,50%”, lamentou.

Para Silvestre, entretanto, a medida “mais atrapalha do que ajuda o controle de preços”, sugerindo a possibilidade de aperto monetário do Copom ainda maior para conter a escalada da inflação. Veja a entrevista completa com Silvestre abaixo:

 

 

“Por outro lado, o controle de preços pode se beneficiar da maior tendência de desaceleração da economia global”, afirmou.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, por outro lado, acredita que o mercado está vendo de maneira positiva a medida, “na ausência de uma reforma tributária que endereçasse o problema”.

A questão para o economista é o risco fiscal que isso representa. “No médio e longo prazo, há um risco, sim, caso os estados judicializem ou busquem alternativas no sentido de baixar mais o ICMS na busca de compensação de dívidas com a União”, afirmou.

Câmbio

Quanto ao câmbio, ainda não está claro o impacto da medida na nossa moeda. Segundo Felipe Izac, sócio da Nexgen Capital, o dólar faz pressão no preço dos combustíveis, mas indiretamente. “O Governo prometeu compensar as perdas aos estados. O problema é o risco que gira em torno das contas públicas: de onde vai tirar essa arrecadação para bancar a medida?”, disse.

O governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB) anunciou na manhã da segunda-feira (27) que o Estado vai reduzir imediatamente as alíquotas de ICMS sobre a gasolina, o que poderá causar uma redução no preço da gasolina nas bombas de até R$ 0,48.

Garcia afirmou que, somente com a renúncia fiscal relacionada à gasolina, São Paulo deve perder anualmente pelo menos R$ 4,4 bilhões, o que vai reduzir investimentos do governo estadual em Educação e Saúde.

Para Izac, o aumento do risco fiscal traz um sentimento ruim e incerteza que preocupa o investidor local e estrangeiro. “Contas fiscais desorganizadas são ruins para nossa moeda, porque afasta investimento estrangeiro”, afirmou. “Devemos esperar um efeito de desvalorização da nossa moeda”, prosseguiu o economista.

O profissional da Nexgen Capital ainda alerta para essa política de controle forçado de preço, que, historicamente, segundo ele, não funciona. “Essa medida de redução pode conter a inflação no curto prazo, mas é importante ficar de olho na questão fiscal”, disse.

Pedro de Carvalho e Paulo Holland

Edição: Dylan Della Pasqua e Pedro de Carvalho

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