Selic deve cair, seguindo outros BCs, mas dólar traz dúvida

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São Paulo – Diante da ação coordenada dos principais bancos centrais globais para combater os impactos econômicos da pandemia de coronavírus, o BC brasileiro não deve ficar de fora. A mudança na comunicação, logo após o primeiro corte emergencial do Federal Reserve nos juros norte-americanos, no início deste mês, anulou a mensagem anterior do Comitê de Política Monetária (Copom), que dizia ser “adequada” a interrupção da queda da Selic.

A dúvida, agora, é qual será o tamanho do corte na taxa básica de juros hoje, ainda mais com o dólar rondando a faixa dos R$ 5,00. Tanto o levantamento mais recente do Termômetro CMA quanto a precificação no mercado de juros futuros mostram a falta de consenso para o desfecho da reunião de março do Copom, que começou ontem.

“Será a decisão mais difícil da história”, resume o operador de renda fixa da Renascença Corretora, Luís Felipe Laudísio. Cálculos da Quantitas Asset mostram que a curva a termo encerrou a sessão de ontem embutindo 80% de chance de corte de 0,50 ponto percentual (pp) na Selic amanhã, com o restante (20%) indicando uma queda ainda maior, de 0,75 pp.

Ao final da semana passada, as apostas de ajuste residual, de -0,25 pp, estavam praticamente consolidadas (92%), com o restante (8%) indicando manutenção do juro básico em 4,25%. Já as 27 instituições financeiras consultadas pela Agência CMA estão divididas. A maioria (14) vê corte de 0,50 pp na Selic, mas essa estimativa não é unânime.

QUER CORTAR QUANTO?

Ainda assim, a ala majoritária, que prevê alguma queda na Selic neste mês, se apoia nos indicadores econômicos domésticos sobre atividade e inflação. Para o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, as condições frágeis da atividade brasileira, sem pressão nos preços, tendem a ser reforçadas pelos impactos econômicos do coronavírus.

Por tais motivos, ele vê uma continuidade do ciclo de cortes, na mesma dose observada na primeira reunião do Copom neste ano, de -0,25 pp. Padovani cita ainda o comunicado do BC no mesmo dia em que o Fed surpreendeu com um corte emergencial de 0,50 pp. “Foi uma comunicação formal relevante. Não é comum antecipar ou sinalizar”, emenda.

Para o diretor do ASA Bank, Carlos Kawall, a ação antecipada do Fed abriu caminho para que outros bancos centrais também agissem e, por isso, o BC brasileiro deve se juntar a esse movimento global. “O Copom não deve ser incoerente com os demais bancos centrais”, observa. “Cada um faz o que pode e algo deve ser feito”, diz.

Por isso, Kawall prevê uma retomada da magnitude anterior, vista até o fim do ano passado, de -0,50 pp. “A melhor opção continua sendo a queda da Selic”, diz o diretor do ASA Bank, que prevê a Selic em 3% já em junho. “O BC não pode conter o vírus nem o choque na cadeia produtiva, mas pode minorar os efeitos das condições financeiras”, explica.

Contudo, há quem questione a eficácia de cortes adicionais na Selic no combate aos impactos do coronavírus na economia real. “Cortar a taxa básica de juros pode até amortecer os efeitos, mas não vai resolvê-los”, observa o economista da Guide Investimentos, Victor Beyrutti.

EFEITO PRÁTICO SÓ NO DÓLAR

Ao mesmo tempo em que a Selic cai, o comportamento do dólar também merece atenção. “Mas o BC nunca opera política monetária de olho no patamar do câmbio”, ressalta Padovani, do Banco BV. Para ele, a valorização expressiva da moeda norte-americana recentemente não tem a ver com o diferencial das taxas de juros.

“É mais a aversão global ao risco”, emenda Kawall, do ASA Bank. Ele lembra que o limite de ação da autoridade monetária é a inflação na meta. “E a queda do petróleo [no mercado internacional] vai mais que compensar a alta do dólar [nos preços finais]”, observa, acrescentando que o repasse cambial não têm se traduzido em maior risco inflacionário.

Contudo, Beyrutti, da Guide Investimentos, ressalta que enquanto o Copom continuar cortando a Selic, em direção a juros reais negativos, o dólar deve seguir renovando máximas históricas. “Corte de 0,25 pp ou 0,50 pp, não faz diferença para o câmbio. Só que o BC precisa atuar”, pondera.

Na tentativa de conter a desvalorização do real, o BC iniciou intervenções no mercado cambial em meados de fevereiro via leilão de swap cambial tradicional. Mas o montante de US$ 11,5 bilhões foram insuficientes e a autoridade monetária lançou mão das reservas internacionais, vendendo quase US$ 10 bilhões. Desde então, o dólar subiu R$ 0,71.

Ou seja, os mercados globais vivem um momento de “irracionalidade” sobre os preços dos ativos, em meio às incertezas em torno da pandemia. “Ao Copom, resta racionalizar e evitar embarcar em tal incoerência, ‘queimando os cartuchos’ de política monetária, sob o risco de não sobrar mais nada”, conclui o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira.