Sinal de alerta da economia chinesa impulsiona ação conjunta de bancos centrais

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São Paulo – Os dados econômicos mais fracos da China em reflexo ao surto do novo coronavírus que paralisou o país alimentam a expectativa de que os bancos centrais ao redor do mundo possam agir de maneira coordenada para fornecer alguma acomodação e evitar uma desaceleração mais brusca da economia global.

“O fim de semana falhou em trazer qualquer resposta coordenada das autoridades fiscais ou monetárias que muitos esperavam. Mas a comunicação de muitos bancos centrais globais não descarta que estamos nos aproximando dessa resposta”, disse o diretor executivo e chefe de estratégia de juros da América do Norte, Ian Pollick.

O mais recente sinal nessa direção veio do Japão, depois que o presidente do banco central do país, o BOJ, Haruhiko Kuruda, disse que a autoridade monetária vai agir para garantir liquidez e assegurar a estabilidade do mercado.

O BOJ tem reunião marcada para os próximos dias 18 e 19. Em janeiro, a autoridade monetária manteve a taxa de depósitos em -0,1% e a meta para juros de 10 anos em zero.

Na sexta-feira, em um comunicado inesperado, o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, apontou o surto do novo coronavírus como um risco às perspectivas e disse que o banco central norte-americano estava pronto para usar todas as ferramentas de maneira adequada para apoiar a economia atingir o mandato duplo de estabilidade de preços e pleno emprego.

O Fed tem reunião de política monetária marcada para os próximos dias 17 e 18. O banco central norte-americano cortou a taxa básica três vezes ano passado, para a faixa atual de 1,50% a 1,75% ano.

“Até o momento, os bancos centrais fora da China têm se intimidado em se tornar proativos. Fundamentalmente, a política monetária é um instrumento inadequado para reagir a choques econômicos como o Covid-19. No entanto, uma instabilidade financeira séria ou severas correções de mercado ainda podem trazer os bancos centrais globais de volta à ação”, afirmou o chefe de pesquisa para Ásia e economista chefe para Ásia-Pacífico do Société Générale, Klaus Baader.

Uma autoridade sênior do Banco Central Europeu (BCE) também disse à imprensa local que a autoridade monetária poderia levar suas taxas de juros para um território ainda mais negativo e iniciar novas compras de títulos para apoiar a economia da zona do euro. O vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, alertou que o surto pode prejudicar as exportações, as cadeias de suprimentos e a demanda por serviços.

Em janeiro, o BCE manteve a taxa básica de juros em zero, a taxa de depósitos em -0,5% ao ano e a taxa da linha mantida com bancos comerciais para concessão de liquidez de curto prazo em 0,25% ao ano. A próxima reunião de política monetária do BCE acontece no dia 12.

Da mesma forma, o Banco da Inglaterra disse que garantirá que todas as medidas necessárias sejam tomadas para proteger a estabilidade financeira e monetária, enquanto trabalha em estreita colaboração com o Tesouro do Reino Unido e os parceiros globais.

“Esta é uma linguagem muito semelhante à que foi empregada após o choque do Brexit, quando o BoE posteriormente afrouxou a política monetária”, afirmou o vice-presidente da Scotiabank Economics, Derek Holt, referindo-se ao processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

A próxima reunião de política monetária do Banco da Inglaterra está marcada para o dia 26 deste mês. No final de janeiro, o Banco da Inglaterra manteve a taxa básica de juro do Reino Unido em 0,75% ao ano.

Mesmo diante desse cenário, o analista chefe de mercado da CMC Markets, Michael Hewson, é cético quanto ao uso do corte de juros para mitigar o efeito do novo coronavírus sobre as economias.

“Precisamos encarar a possibilidade de que simples cortes de juros possam ser o equivalente político de usar uma mangueira de jardim para apagar um incêndio leve, o que pode amortecê-lo por um tempo, mas pouco faria para resolver o problema”, disse.

Ele sugere uma benevolência maior dos bancos centrais em termos de condições de crédito à medida que os problemas de fluxo de caixa começarem a se acumular para as empresas em dificuldade.

O BANCO DO POVO

Antecipando-se aos problemas que o surto do novo coronavírus poderia provocar na economia chinesa, o Banco do Povo da China (Pboc, o banco central do país) agiu em janeiro, reduzindo sua taxa de compulsório bancário para todos os bancos em 0,5 ponto percentual (pp), injetando mais de 800 bilhões de iuanes (US$ 114,9 bilhões) no sistema financeiro.

Com isso, a taxa de compulsório bancário oficial para a maioria dos grandes bancos caiu de 13,0% para 12,5% após a entrada do corte em vigor, enquanto a alíquota para bancos menores recuou de 11% para 10,5%.

“Como de costume, o PBoC afirmou que a mudança foi uma tentativa cautelosa de apoiar a economia real”, disse a economista do Société Générale, Wei Yao.

“No entanto, acreditamos que fornecer liquidez por meio de reduções na taxa de compulsório não é suficiente, e o banco central provavelmente precisará de operações adicionais de mercado aberto nas próximas semanas”, acrescentou.

COORDENAÇÃO MULTILATERAL

Além de uma ação coordenada dos bancos centrais ao redor do mundo, os organismos multilaterais internacionais também já sinalizaram que estão prontos para agir e conter o choque o surto na economia global.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial colocaram hoje seus instrumentos de financiamento e seu corpo técnico à disposição de países que precisarem de ajuda para combater o surto do coronavírus, de acordo com comunicado conjunto divulgado pelas instituições.

O G-7 (grupo composto por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) também anunciou hoje que manterá uma conversa por telefone nesta semana para coordenar sua resposta ao surto do novo coronavírus, em seus esforços para limitar o impacto econômico da epidemia, segundo o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire.

Le Maire disse ontem que conversou com o secretário do Tesouro norte-americano, Steven Mnuchin, por telefone, que atualmente é presidente do G-7, e que ele falaria esta semana com a presidente do BCE, Christine Lagarde.

A PROVA DO CHOQUE

Uma série de indicadores divulgados desde a noite de sexta-feira na China mostrou o potencial que o surto do novo coronavírus tem sobre a economia do país e, consequentemente, a economia global.

O índice dos gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) sobre a atividade do setor industrial da China divulgado no final de semana caiu a 35,7 pontos em fevereiro, a menor leitura desde o início da série histórica, em janeiro de 2005, segundo dados divulgados pelo governo chinês. Da mesma forma, o PMI industrial da China medido pelo instituto IHS Markit e pela Caixin caiu a 40,3 pontos em fevereiro – o menor nível desde o início da série histórica, em 2004.

Já o índice que acompanha os planos de compras no setor de serviços da China caiu para uma mínima recorde de 29,6 pontos no mês passado – bem abaixo da marca de 50 que separa expansão da contração – sugerindo fraqueza na construção, transporte, restaurantes e turismo.

“[O potencial do surto] pode ser confirmado pelos dados mais recentes do PMI da China de fevereiro, referentes ao setor industrial e de serviços que, para todos os efeitos, só podem ser descritos como péssimos”, afirmou Hewson, da CMC.

“Com muitas fábricas chinesas ainda paralisadas, março pode ter uma melhora, mas é improvável que seja particularmente dinâmico”, acrescentou.

Para evitar que o surto de espalhasse, autoridades chinesas isolaram várias cidades, suspenderam aulas e a circulação do transporte público. Muitas empresas suspenderam suas atividades e mantiveram seus funcionários em casa.