STF ficará mais conservador com ministros indicados por Bolsonaro

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São Paulo – O colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) pode adotar interpretações mais conservadoras com as indicações que devem ser feitas pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que se aposentarão respectivamente em 2020 e em 2021, segundo especialistas ouvidos pela Agência CMA.

A relação entre Bolsonaro e o STF ficou tensa nas últimas semanas, principalmente depois de apoiadores do presidente terem sido alvo de operações policiais autorizadas pela corte a partir de dois inquéritos diferentes – um aberto pelo próprio Supremo, que apura notícias falsas e ameaças contra os magistrados, e outro aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar manifestações pedindo o fechamento do STF e do Congresso.

Os dois inquéritos estão sob a responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes, contra quem Bolsonaro tem feito críticas mais contundentes, principalmente depois que o juiz impediu em abril, em caráter liminar, que o presidente fizesse a troca de comando da Polícia Federal.

A decisão de Moraes foi baseada em outro inquérito, este relatado pelo ministro Celso de Mello, que apura se ele tentou interferir no comando da Polícia Federal em benefício próprio, algo de que foi acusado pelo ex-ministro da Justiça e ex-juiz federal Sergio Moro.

Também neste caso Bolsonaro demonstrou insatisfação com a corte por não ter descartado de imediato um pedido da oposição para que ele entregasse seus celulares aos investigadores. O presidente chegou a dizer que se recusaria a entregar os aparelhos mesmo se houvesse decisão do STF a favor da perícia nos aparelhos.

Mello acabou rejeitando o pedido da oposição, mas deixou claro em sua decisão que Bolsonaro estava caminhando perto de uma fronteira perigosa ao diminuir a autoridade do STF, correndo o risco de cometer crime de responsabilidade e sofrer um impeachment.

“Em uma palavra: descumprir ordem judicial implica transgredir a própria Constituição da República, qualificando-se, negativamente, tal ato de desobediência presidencial e de insubordinação executiva como uma conduta manifestamente inconstitucional”, disse o ministro à época.

O presidente, porém, terá a chance de mitigar os atritos que possui com a corte nomeando novos integrantes para o colegiado, porque tanto Mello quanto Marco Aurélio chegarão a 75 anos, idade em que precisam se aposentar compulsoriamente, em novembro de 2020 e em julho de 2021, respectivamente.

Se Bolsonaro for eleito para um segundo mandato, sob a mesma regra, também poderia substituir Ricardo Lewandowski, em maio de 2023, e Rosa Weber, em outubro do mesmo ano.

Arte por: Adriana Fornereto

NOVA COMPOSIÇÃO

Em ocasiões anteriores, Bolsonaro disse que pretende colocar no STF um ministro “terrivelmente evangélico”, e até agora as apostas são de que os indicados serão os ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e o atual ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União, André Mendonça.

Segundo Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), tanto Mello quanto Marco Aurélio fazem leituras rigorosas dos dispositivos constitucionais, sem desviar da sua interpretação jurídica – postura conhecida como “garantista”. Além disso, acrescenta, ambos são reconhecidos por serem “acima de qualquer suspeita” em relação a potenciais influências políticas em suas decisões.

“Tais atributos dificilmente serão mantidos na mesma proporção por seus eventuais substitutos, principalmente, porque os prováveis indicados pelo atual governo exercem cargos de natureza política, embora sejam advogados”, afirmou Chemim.

“As interpretações dos dispositivos constitucionais poderão ser inevitavelmente maculadas com a inserção de valores estranhos à essência, ao núcleo da Carta Magna, além de evidenciarem, proporcionalmente aos atuais ministros, a inexperiência e conhecimento que só se adquirem ao longo do tempo.

Ela acrescentou que Mello e Marco Aurélio vivenciaram todo o período de retorno do Estado Democrático de Direito no Brasil e por isso valorizam os valores sociais, políticos e econômicos impressos na Constituição de 1988 quando comparada à Constituição vigente durante o período dos governos militares.

“Os supostos substitutos certamente não têm essa visão essencialmente macro-jurídico-constitucional e desse modo, os seus votos irão traduzir as suas limitações – pelo menos no curto prazo – enquanto novos magistrados na mais alta instância do Poder Judiciário.”

Luciana Berardi, professora do Instituto Brasileiro de Educação em Gestão Pública (Ibegesp) presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP, a natureza política da indicação dos próximos membros do STF pressupõe o alinhamento das ideais dos magistrados com os do presidente Jair Bolsonaro.

“É capaz inclusive que haja mudança contundente no entendimento do STF e que sejam nomeados juízes magistrados mais conservadores. de perfil mais conservador, de perifl mais radical. E quando digo radical é no bom sentido, no perfil mais garantista. No Supremo Tribunal a gente pode observar que atualmente tem perfil de alguns julgadores mais liberais e alguns julgadores mais conservadores”, disse ela, acrescentando que “hoje a gente percebe que o STF tem postura mais progressista”.

“Independentemente da nomeação destes dois novos ministros, que a meu ver deverão ter postura conservadora, a gente não pode deixar de falar da necessidade dos magistrados de cumprirem estritamente aquilo que vem descrito na Constituição Federal”, disse Berardi, afirmando que o STF não pode agir por “achismos” nem adotar o ativismo judicial.

“O Supremo Tribunal Federal não pode agir como ativista judicial. Ele não tem a competência do achismo, ele tem competência de guardião supremo da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Estamos tendo hábito nos últimos tempos de levar discussões para o viés político, e não jurídico, e isso é muito perigoso”, afirmou, acrescentando que nos países onde isso ocorreu “normalmente o autoritarismo das decisões prevaleceu sobre o bom senso jurídico”.

A ex-desembargadora Cecilia Mello ressalta que a saída de Celso de Mello e de Marco Aurélio do STF remove dois ministros com posições marcantes na corte, mas aponta que as indicações feitas por Bolsonaro podem surpreender com posturas equilibradas por causa da responsabilidade do cargo.

“Sempre existe o fator surpresa, porque quando um jurista é guindado à posição de ministro da Suprema Corte assume ao mesmo tempo uma responsabilidade de envergadura incontestável. Ocorre uma mudança necessária de postura diante dos casos. O novo ministro estará atento a biografia que irá desenhar com os seus posicionamentos”, afirmou.

Pela Constituição, o presidente Jair Bolsonaro não tem prazo para indicar os substitutos dos ministros que sairão do STF, mas a expectativa é de que o processo seja muito mais rápido do que em ocasiões anteriores justamente por causa da necessidade do Executivo de apaziguar as relações com a corte.

Uma vez indicado o nome do próximo ministro, o assunto passa para o Senado, que analisará e votará sobre a indicação. O regimento do Senado também não delimita um prazo para este processo, mas são necessárias votações na Comissão de Constituição e Justiça e depois a aprovação do plenário.

Arte por: Adriana Fornereto

IMPACTO EM JULGAMENTOS

A nova composição do STF estará em vigor durante o mandato do ministro Luiz Fux como presidente do tribunal e o magistrado pode decidir pautar o recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra as condenações que sofreu em instâncias inferiores.

Chemim considera que, se este for o caso, o julgamento seria a “prova de fogo” quanto à idoneidade dos substitutos indicados por Bolsonaro, mas que o resultado pode depender de uma série de outros fatores, como a decisão do STF no processo que trata da suspeição de Moro e que deve ser retomado pelo plenário entre agosto e setembro, segundo estimativa do ministro Gilmar Mendes.

“A posição a ser tomada pelos dois novos ministros emprestará ou não a credibilidade aos seus perfis, notadamente se interpretarem as condições constantes no processo à luz da Carta Magna e da legislação infraconstitucional”, disse ela.

Cecilia Mello e Berardi apontam que outro julgamento relevante passível de ser afetado pela troca de ministros é o da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O assunto, que está sendo julgado como de repercussão geral por meio do recurso extraordinário 635.659, tem apenas três votos contabilizados – o do relator, ministro Gilmar Mendes, e o dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Mendes votou pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, mas manteve algumas das sanções previstas em lei – advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Barroso também votou pela descriminalização, mas apenas para maconha que é a droga a que o recurso se refere – e propôs que o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam parâmetros de referência para distinguir consumo do tráfico. Fachin também votou pela descriminalização do porte de maconha para consumo.

O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do falecido ministro Teori Zavascki – que foi substituído por Alexandre de Moraes – e a expectativa era de que fosse retomado no final do ano passado, mas o presidente do STF, Dias Toffoli, pautou a prisão em segunda instância no mesmo período e retirou o recurso da lista de processos que estavam na fila. Ainda não há data para o assunto voltar a julgamento.

Berardi aponta também que há na fila de processos polêmicos e passíveis de serem impactados pela troca de ministros a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), que trata da descriminalização do aborto e que também só deve ser colocada em julgamento após a troca da presidência no STF, e contestações ao reconhecimento das uniões homoafetivas.

PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

Outro assunto que poderia ser particularmente influenciado pela troca de ministros no STF seria a leitura da corte a respeito da constitucionalidade da prisão de pessoas condenadas por tribunal de segunda instância.

No final do ano passado, o plenário mudou o entendimento em vigor e decidiu por seis votos a cinco que a prisão só poderia ocorrer após esgotados todos os recursos do réu – prevalecendo uma interpretação garantista da Constituição. Em 17 de julho, Moro disse que a corte poderia revisitar o assunto após a indicação do substituto de Mello e mudar o entendimento com apenas um voto, dado o placar apertado da votação anterior.

Chemim avalia que a possibilidade de mudança da jurisprudência da Corte neste caso “ainda será remota”, principalmente porque o julgamento sobre o assunto foi recente e não deve ser pautado no curto prazo.

A mesma opinião tem Cecilia Mello. “A interpretação da norma constitucional não deixa margem para uma mudança a respeito do tema”, disse ela, acrescentando que “mudanças rápidas serão difíceis de acontecer. Os temas já decididos necessitariam ser submetidos ao plenário novamente, o que não é comum em curto espaço de tempo.”

Berardi considera que o assunto pode ser revisado e lembra que a prisão em segunda instância vem sendo discutida desde 2004 e que o STF já mudou muitas vezes de posição. A prisão foi proibida de 2009 e 2016, liberada até 2019 e proibida novamente de lá para cá.

Ela explica que a Constituição Federal prevê a nomeação política dos ministros do STF e que isso, somado ao esperado alinhamento dos ministros indicados com o presidente, faz com que algumas decisões do STF sejam alteradas com grande constância. “Com 35 anos de abertura democrática, temos no caso da prisão em segunda instância três comportamentos diferentes”, afirmou.

PEC DA BENGALA

Uma outra possibilidade de aumentar a influência de Bolsonaro sobre o STF seria eliminar a emenda constitucional que elevou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória no tribunal. Esta hipótese chegou a ser ventilada no Congresso no início de 2019, mas perdeu força desde então e continua sem apoio político suficiente para chegar à pauta.

“O Congresso aprovou uma PEC aumentando a idade de aposentadoria dos ministros do STF por acreditar que esta era a medida mais correta. Não podemos mudar a Constituição toda hora. Os ministros do STF são indicados pelo presidente da República, mas são aprovados, ou não, considerando critérios técnicos pelo Senado Federal. Portanto, quem estiver lá tem legitimidade para estar e a lei que define a idade de aposentadoria tem que valer para todos”, disse o senador Weverton (PDT-MA).

Para ele, que também é líder do bloco de 11 membros do Senado formado por Cidadania, rede, PDT e PSB, a legislação “não pode mudar para se adequar a anseios de momentos” e há acordo para que não sejam votadas propostas de emenda à constituição enquanto as votações estiverem ocorrendo virtualmente. “Portanto, por enquanto, o tema nem deve ser pautado”, afirmou.