Por Gustavo Nicoletta
São Paulo – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, desmentiu o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmando que o Ministério Público Federal pediu detalhamento de dados de inteligência financeira ao antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem obter autorização judicial para isso.
Em seu discurso de abertura, Aras havia dito que as informações recebidas pelo Ministério Público eram fornecidas automaticamente pelo Coaf porque o órgão é obrigado a prestar este tipo de informação, e que os procuradores não fizeram requisições de dados ao Coaf.
Toffoli, porém, afirmou que em três anos o MPF fez mais de mil requerimentos de informações ao Coaf. Aras argumentou que, durante seu discurso, falou que o MPF não fazia requisições de dados ao Coaf, não requerimentos. Toffoli rebateu afirmando que, de uma forma ou de outra, o MPF pedia informações ao órgão sem autorização judicial.
Além disso, Toffoli afirmou que só conseguiu ter acesso aos dados sobre os requerimentos feitos pelo MPF por causa de uma decisão polêmica que lhe deu acesso integral aos dados de centenas de milhares de pessoas físicas e jurídicas.
“Para chegar nesses números foi necessário dar uma decisão bastante dura, das quais não fiz acesso”, disse ele, referindo-se ao fato de ter suspendido depois de alguns dias a decisão judicial que lhe deu acesso aos dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), novo nome do Coaf. “Se não fosse a decisão jamais teria obtido estes dados”, acrescentou.
Toffoli também negou que o caso em julgamento hoje esteja relacionado ao do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. “Não está em julgamento neste recurso extraordinário nenhum caso do senador Flávio Bolsonaro. Não é objeto deste julgamento”, afirmou.
Mesmo assim, a decisão do julgamento de hoje pode afetar o caso de Flávio de forma indireta. Ele está sendo investigado desde 2018 após dados coletados pelo antigo Coaf e enviados ao Ministério Público do Rio de Janeiro apontarem movimentações financeiras suspeitas de vários funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Um destes funcionários era Fabricio Queiroz, assessor de Flávio na época em que ele ocupava o cargo de deputado estadual. Informações vazadas à imprensa mostraram que também havia movimentações suspeitas nas contas do político.
Em janeiro deste ano, Flávio chegou a reclamar ao STF do fato de não ter havido autorização judicial para o compartilhamento de seus dados com os promotores e solicitou decisão que considerasse as provas contra ele ilegais.
Em fevereiro, o ministro Marco Aurélio rejeitou o pedido.
A decisão do STF sobre o compartilhamento de dados sem autorização judicial prévia será tomada a partir do Recurso Extraordinário 1055941, que corre em sigilo.
O recurso alega que a Receita Federal obteve dados protegidos por sigilo bancário sem prévia autorização judicial e posteriormente compartilhou as informações com o Ministério Público Federal, e pede que a ação penal baseada nestes dados seja anulada..
O Ministério Público Federal alega que a Receita Federal tem direito a ter acesso a dados bancários mesmo sem ordem judicial e está legalmente obrigado a comunicar ao Ministério Público indícios da prática de crimes, o que é incompatível com a exigência de ordem judicial para o compartilhamento dos dados.
“Não admitir que o Fisco por meio de decisão fundamentada em procedimento administrativo fiscal possa, reservada e sigilosamente, acessar informações financeiras e, havendo indícios da prática do crime, remetê-las ao Ministério Público para melhor apurar os fatos, seria instituirmos mais uma instância burocrática para o Estado brasileiro”, disseram os procuradores na ação.