São Paulo – O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou ontem o envio de um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que se verifique a possibilidade de inclusão do presidente Jair Bolsonaro no chamado inquérito das “fake news” (INQ 4781). O pedido, assinado pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, indica como evidência de que Bolsonaro espalhou notícias falsas o link da transmissão da semana passada, na qual o presidente da República disse, sem provar, que houve fraude nas eleições.
O pedido do TSE foi feito na forma de uma notícia-crime – uma notificação para que seja iniciada a investigação contra o autor do fato criminoso. A notícia-crime foi encaminhada para o relator do processo das fake news no STF, ministro Alexandre de Moraes.
O objetivo do INQ 4781 é apurar a disseminação de notícias mentirosas, falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos ministros. Também apura se existe financiamento e divulgação em massa nas redes sociais destas notícias falsas com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.
Além disso, o TSE também transformou em inquérito administrativo um procedimento aberto pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, para que autoridades públicas do país pudessem apresentar provas que comprovassem ocorrências de fraude no sistema eletrônico votação nas Eleições de 2018, em particular nas urnas eletrônicas. A proposição foi aprovada por unanimidade.
Com a medida, o corregedor-geral ampliou o objeto de apuração dos fatos que possam configurar abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea (antecipada), em relação aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das Eleições Gerais de 2022 – algo que poderia implicar Bolsonaro na disseminação de notícias falsas.
Segundo a Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, o inquérito abrangerá ampla “dilação probatória”, promovendo medidas cautelares para a colheita de provas, com depoimentos de pessoas e autoridades, juntada de documentos, realização de perícias e outras providências que se fizerem necessárias para o adequado esclarecimento dos fatos.
O ministro Luis Felipe Salomão determinou que o inquérito administrativo tramite em caráter sigiloso, ressalvando-se os elementos de prova que, já documentados, digam respeito ao direito de defesa. Também mencionou como motivação os relatos e declarações, sem comprovação, de fraudes no sistema eletrônico de votação, com potenciais ataques à democracia e à legitimidade das eleições.
ATAQUES DE BOLSONARO
Na última quinta-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro insinuou haver um conluio entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Barroso para que as eleições no Brasil continuem sendo feitas por urnas eletrônicas sem comprovante impresso. Ele também insinuou que isso permitiria fraudar o resultado das eleições em favor de Lula.
“Por que o presidente do TSE vai para dentro do parlamento, se reúne com várias lideranças partidárias, e a partir do dia seguinte muitos desses líderes trocaram as composições da comissão por parlamentares que se comprometeram a votar contra a PEC do voto impresso? Qual foi o poder de persuasão do Barroso para essa forma de convencimento?”, disse Bolsonaro.
“Qual o futuro do nosso Brasil se nós terminarmos eleições onde um lado ou outro desconfia e começa a realizar ações contrárias ao pleito? Nós estamos, mais de um ano antes [das eleições], dizendo que nós não queremos problemas. Eu quero democracia, eu quero que o candidato que o João ou a Maria porventura votar, seja contado exatamente para aquela pessoa.”
“Será que isso é demais? Será que existe um sistema querendo por meios outros, não democráticos, fazer voltar ao poder aqueles que mergulharam o país na corrupção e impunidade?”, disse Bolsonaro, acrescentando em seguida: “É justo quem tirou Lula da cadeia, quem o tornou elegível ser o mesmo que vai contar o voto numa sala secreta do TSE?”
No discurso, Bolsonaro também afirmou que o Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula, e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de seu outro adversário político, o governador de São Paulo João Doria, em algum momento foram favoráveis a alterar o sistema de votação, mas se manifestaram contra a proposta defendida por ele – de acoplar uma impressora de voto à urna eletrônica.
Bolsonaro também citou Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem anteriormente acusou de conspirar para tirá-lo do poder, como outro político que “mudou de lado” em relação ao assunto do voto impresso nas urnas eletrônicas.
INDICIOS, NÃO PROVAS, DE FRAUDE ELEITORAL
Na transmissão ao vivo feita na quinta-feira, feita ao lado do ministro da Justiça, Anderson Torres, Bolsonaro também apresentou o que, segundo ele, seriam “indícios”, mas “não provas”, de que é possível fraudar o resultado das eleições feitas sob o sistema atual da urna eletrônica. Todos os indícios, porém, já haviam sido desmentidos anteriormente pelo TSE e pela imprensa.
Ele citou, por exemplo, uma auditoria feita pelo PSDB a respeito do resultado das eleições de 2014. A auditoria não encontrou indícios de fraude na votação. Bolsonaro, porém, ignorou a conclusão e repetiu uma crítica feita pelo deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) à época da divulgação do resultado da auditoria – de que não tinha sido possível acessar dados sigilosos das urnas.
O presidente também disse que a apuração dos votos é feito numa “sala secreta”, o que também é falso, visto que a apuração é feita em cada um dos locais de votação e transmitida em tempo real para o TSE, que consolida os dados e disponibiliza os resultados da apuração, também em tempo real, para qualquer pessoa interessada.
Bolsonaro também apresentou uma série de outras acusações falsas contra o sistema das urnas eletrônicas – entre elas a de que o código das urnas pode ser alterado para favorecer ou prejudicar um determinado candidato. Ele apresentou três vídeos publicados na internet que supostamente comprovariam a existência destas fraudes – todos eles mostrando eleitores do próprio Bolsonaro reclamando que não estavam conseguindo votar no número 17, com o qual ele concorreu em 2018.
O TSE nega que o código das urnas possa ser alterado depois de elas serem lacradas pelo tribunal, porque isso exigiria autorizações eletrônicas de um grupo restrito de pessoas, e ressalta que o código-fonte das urnas pode ser analisado por representantes técnicos de todos os partidos políticos, do Ministério Público, dà Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Polícia Federal, e de outras entidades antes da eleição e de as usinas serem lacradas, o que evitaria alterações maliciosas no código.
O presidente também mostrou vídeos mostrando que, em 2018, havia expectativa durante a apuração dos votos de que ele vencesse a eleição no primeiro turno, porque estava na frente quando a apuração mostrava 11% das urnas apuradas na região Sudeste, que concentra grandes colégios eleitorais e onde ele teve grande número de votos.
Na eleição de 2018, havia 13 candidatos a presidente no primeiro turno, e foram contabilizados pouco mais de 107 milhões de votos válidos. Segundo os resultados oficiais, Bolsonaro recebeu 49,3 milhões destes votos, ou 46,03%, e Fernando Haddad (PT), 31,3 milhões, ou 29,28%. Os outros 11 candidatos, em conjunto, tiveram 26,4 milhões de votos – ou 24,69%.
Em São Paulo, estado da região Sudeste e que possui o maior colégio eleitoral do Brasil, Bolsonaro teve 12,4 milhões de votos no primeiro turno, ou 53,00% do total, seguido por Haddad, com 3,8 milhões, ou 16,42%, mas ali os outros 11 candidatos a presidente tiveram uma parcela maior de votos do que no cômputo geral do Brasil – de 30,58%.
Pesquisas eleitorais conduzidas antes e depois das eleições presidenciais de 2018 corroboram o resultado das urnas. Levantamentos do Instituto Datafolha e do Ibope pouco antes do primeiro turno apontavam Bolsonaro com 36% das intenções de voto, e Haddad com 22%.
Além disso, o Estudo Eleitoral Brasileiro 2018, conduzido pelo Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp em novembro daquele ano, mostrou que de 2.506 pessoas entrevistadas, 33,4% disseram ter votado em Bolsonaro no primeiro turno, e 22,1% em Haddad. Removendo da amostra os entrevistados que não quiseram declarar ou não lembravam em quem votaram, que votaram em branco ou que anularam o voto, Bolsonaro teria 47,0% dos votos, e Haddad, 31,4%.
Na transmissão, Bolsonaro também associou erroneamente ataques cibernéticos contra o TSE em 2018 à invasão do sistema usado pelo tribunal na apuração dos votos da eleição de 2018. Nem as urnas nem o sistema de envio dos votos das urnas para o TSE são conectados à internet, portanto não podem ser alvo de invasão.
Bolsonaro também mostrou uma reportagem de 2008 do Jornal da Band a respeito de um relatório apontando fraudes nas urnas eletrônicas na cidade de Caxias (MA). Na reportagem, dois técnicos contratados pela coligação Melhor para Caxias afirmam ter encontrado indícios de fraude nas urnas eletrônicas utilizadas na votação daquele ano na cidade.
A matéria também afirma que a Polícia Federal (PF) foi acionada para verificar se houve violação física ou adulteração nos programas constantes do equipamento. Segundo o TSE, a PF realmente periciou as urnas eletrônicas utilizadas naquela eleição e ao todo foram verificados dez equipamentos que supostamente teriam sido violados no primeiro turno do pleito de 2008 em Caxias.
“O laudo técnico produzido pela corporação concluiu que não foram identificados sinais de violação física dos lacres que envolvem os aparelhos. No documento, a PF descartou as hipóteses de instalação de softwares fraudulentos e de adulteração dos programas autenticados pelo TSE. Também não foram encontrados arquivos contaminados por vírus nas urnas eletrônicas examinadas pela instituição”, disse o TSE.