Vale deve ter 2021 forte mesmo com produção menor

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São Paulo – Após um ano de incertezas em função da pandemia de coronavírus e às vésperas do aniversário de dois anos do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro, a Vale busca virar a página e deve se beneficiar principalmente da recuperação dos preços do minério de ferro neste ano.

Segundo analistas ouvidos pela Agência CMA, os fortes preços da sua principal commodity, somados às expectativas de um acordo com autoridades sobre Brumadinho – apesar de dúvidas sobre os valores – e de uma melhor alocação de investimentos, devem compensar a redução das metas de produção anunciadas no fim de 2020. Em dezembro, a mineradora estimou uma produção de 315 a 335 milhões de toneladas de minério em 2021, abaixo da previsão anterior de 375 a 395 milhões de toneladas.

Na visão do analista da Reach Capital, Pedro de Marco, a redução da meta não é um problema para a Vale, já que ela poderá ofertar um produto de maior qualidade acompanhando as altas dos preços no mercado externo.

“O minério produzido no sistema Norte, que é o de melhor qualidade e tem maior demanda, ainda vai ter sua produção crescendo em 20%. Além disso, a perspectiva de oferta global menor fez o preço do minério aumentar e ela também captura esse benefício”, explicou. Marco lembra que a redução da produção se dá principalmente no sistema Sudeste, cujo minério não tem a mesma qualidade do sistema Norte.

Depois de sofrer impactos da crise causada pela pandemia, os preços do minério se recuperaram ao longo do ano amparados pela retomada econômica da China, sua principal consumidora, e pelos ajustes de produção anunciados por empresas como a própria Vale. No fim de dezembro, os contratos futuros mais negociados da commodity chegaram a superar os US$ 175,00 a tonelada na bolsa chinesa de Dalian.

Para o analista da Guide Investimentos, Henrique Esteter, a revisão para baixo da produção é algo natural e, mesmo assim, a Vale deve ter um ano forte em um contexto de preços mais elevados.

“A produção de minério no mundo é limitada a apenas três empresas. Então, se a empresa não consegue entregar o que foi prometido inicialmente, isso terá um reflexo no preço. Operacionalmente, a Vale deve ter um ano muito forte mesmo com essas revisões”, disse. Atualmente, a Vale busca recuperar o posto de maior produtora mundial de minério de ferro que perdeu para anglo-australiana Rio Tinto, depois da tragédia ocorrida em Brumadinho.

BRUMADINHO

A expectativa é que a Vale possa fechar em breve um acordo com autoridades governamentais, ministérios públicos e a Justiça sobre reparações no caso Brumadinho, após uma série de audiências recentes, o que pavimentaria o caminho para uma melhor avaliação da empresa pelo mercado e por agências de classificação de riscos. No entanto, as negociações ainda precisam ser concluídas e há dúvidas sobre valores. A próxima audiência ocorrerá amanhã (7). 

Além disso, o fantasma de possíveis novos problemas com barragens em Minas Gerais continuam pairando sobre a empresa. No dia 18 de dezembro do ano passado, um funcionário de uma terceirizada da Vale morreu em um deslizamento na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, quando realizava atividades de manutenção no local. A mina é a mesma onde, há quase dois anos, ocorreu o rompimento da barragem que matou quase 300 pessoas, em um dos maiores desastres ambientais e trabalhistas do Brasil. 

Os analistas do Bradesco BBI destacam que as negociações estão em evolução, mas ainda sem cronograma previsto para uma definição. “A gestão da Vale parece estar encorajada pela forma como as negociações estão evoluindo. A Vale mencionou que R$ 21,6 bilhões já estão destinados para indenizações e remediação ambiental em seu balanço, R$ 11 bilhões já estariam incluídos em um possível acordo maior.”, disseram, em relatório.

Para Henrique Esteter, o valor a ser pago é um ponto de bastante atenção. Ele destaca que a Vale está praticamente sem dívidas, com uma alavancagem controlada, e que o acordo pode ser fundamental.

“Esse acordo é fundamental para que agências de risco elevem o rating da Vale, o que também vai contribuir posteriormente tanto para títulos de dívida menor, custos mais baixos, como também para elevação e possibilidade de investimentos. O valor deve ser observado. A expectativa pelo desfecho é muito grande e o mercado espera algo interessante saindo desse acordo”, disse o analista da Guide Investimentos.

Na visão de Pedro de Marco, o desfecho do acordo vai muito além do dinheiro pago em indenizações. “O problema não é o valor, é não repetir o erro da Samarco. É um problema de governança. Eles querem chegar em um acordo agora. Na minha opinião, vai ser um valor maior do que o mercado está esperando, mas, mesmo que saia uns R$ 8 bilhões a mais, não vai ser um problema”, disse.

O analista da Reach Capital também destaca que o mercado precisa ter confiança na empresa para futuros investimentos em infraestrutura. “O mundo vai precisar crescer em infraestrutura e precisa de minério para fazer isso. Se não tiver uma mineração comprometida, com critérios de ESG [critérios ambiental, social e de governança ou “environmental, social and governance na sigla em inglês], aí não convence os investidores”, finalizou.

INVESTIMENTOS

Em dezembro, a empresa também divulgou um plano de investimentos para o próximo ano. Para 2021, a projeção é de gasto de R$ 5,8 bilhões, sendo 80% do total para atividades de manutenção e o restante para crescimento. E para os anos seguintes a previsão é de gasto médio de US$ 5,5 bilhões.

De olho nas projeções da empresa, o Bradesco BBI analisou que a Vale “ainda tem muito trabalho a fazer, mas que conhece bem o caminho”. O banco também destacou, ao reafirmar a recomendação de compra de ações, o plano de crescimento futuro da empresa para fornecer flexibilidade operacional em minério de ferro.

Para Pedro De Marco, a Vale busca otimizar maximizar os recursos que possui hoje pensando no futuro, para a empresa poder crescer em outras áreas, mas sem deixar de destinar a maior parte do investimento para manutenção.

“Eles querem maximizar os recursos que têm hoje. No entendimento deles, esse volume atual é o volume compatível. Eles estão preparando a empresa para crescer em outras atividades de minerais e nessa linha de mais qualidade”, disse.

Já para Henrique Esteter, o investimento anunciado pela empresa é essencial para evitar problemas que possam trazer prejuízos maiores no futuro.

“A manutenção tem que ser vista como investimento para que grandes problemas não aconteçam e não tragam prejuízos muito maiores. Não vejo como problema”, destacou. O analista também acha que é natural que a Vale passe a olhar para alguns ativos que não sejam especificamente ligados ao minério de ferro, mas isso vai acontecer aos poucos.