Vitória de Lula é favorável a investimentos, mas trajetória dos juros preocupa, dizem gestores

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São Paulo – Para os gestores de recursos Luis Stuhlberger e Pedro Parente, a perspectiva é positiva para investimentos caso o candidato do PT vença a eleição, mas que será preciso equacionar o aumento do investimento público com a redução da taxa de juros. Eles participaram do debate “O Brasil em perspectiva: visão de quem está no comando”, moderado por Gilson Finkelsztain, presidente da B3 e Carlos André, da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

Para Luis Stuhlberger, da Verde Asset, a austeridade fiscal e o teto de gastos ficaram reféns do populismo no Brasil e ganharam uma conotação negativa. “Como não houve crescimento, governar virou sinônimo de gastar. Temos um rombo contratado de 1,5-2,5% do PIB, com arrecadação baixa. É um cenário perigoso, mas que pode ser revertido”, comentou.

Quando se tem teto de gastos, os juros caem, segundo o gestor da Verde. “Diminuir impostos sobre combustível vai gerar problema. A inflação no Brasil é muito indexada e reduzir o juro no Brasil não será uma tarefa fácil”, avalia.

O sócio da EB Capital, atual presidente do conselho da BRF, ex-ministro do governo Fernando Henrique, ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente, disse que busca antecipar as demandas da sociedade para prever investimentos que geram retorno, citando um fundo ambiental. “Temos que olhar a taxa média de crescimento e comparar com a taxa de juros. Temos conseguido convencer e fazer a captação para esse fundo com o Santander, que por coincidência, é um dos patrocinadores, e temos ido bem.”

Em relação à Bolsa, Stuhlberger avalia que o cenário está mais difícil. “Antes as empresas conseguiam usar seu tamanho e market share para captar recursos. Agora, temos que torcer para o PIB crescer. Há falta de investimento público. O governo deveria ter modelado seus investimentos em infra, educação e saúde, mas foi para pessoas”, comentou.Ontem, o Lula disse que quer destinar recursos para o Fies, o que na sua visão é um erro.

Pedro Parente acredita que é preciso fazer o que é necessário e que há anticorpos para evitar erros anteriores. “Embora existam anticorpos, a construção da política pública é feita por quem está no governo.” A construção de políticas públicas atende o governante que está no poder. Uma mudança que o PT pretende fazer não é possível evitar com os “anticorpos” que existem, ponderou Parente.

Ele cita “A banalização do mal”, de Ana Harendt, para introduzir uma reflexão sobre um cenário de “normalização do desvio”, que está acontecendo atualmente em relação a temas como o orçamento secreto, por exemplo. “Estamos aceitando coisas que nos deixam muito longe do potencial que poderíamos atingir. Na discussão da reforma tributária, não se olha para construir um sistema que de fato poderia levar a uma mudança da realidade brasileira, estamos nos acostumando com a mediocridade. E essa falta de indignação mostra isso, como aceitamos o orçamento secreto?”

Para Stuhlberger, a tolerância com o aumento de gastos públicos também se encaixa na definição de “banalização do mal”. “O Arthur Lira cria o orçamento secreto como uma defesa contra uma esquerda estilo Venezuela. Qual o limite? Até onde vamos tolerar isso?”

O Brasil se desindustrializou muito e hoje depende da economia agrícola. Com isso, a arrecadação subiu muito.

Nenhum país se sustenta com uma taxa de juros no nível atual. O salário mínimo não subiu muito e haverá uma pressão para que haja recomposição. E o Lula tem o compromisso de resolver isso.

Por outro lado, ele tem o desafio de aumentar o investimento sem aumentar os juros. “Eu acredito que ele queira passar para a história como um Estadista, mas a esquerda tem a doença de defender o crescimento do estado. Agora que o Arthur Lira ganhou poder ele vai querer mantê-lo. Então, acho que vai ser por aí o embate”, imagina o gestor da Verde Asset.

Em relação ao investimento estrangeiro após as eleições, Parente acha que um aspecto que pode mudar é a relação com a China, o que é positivo. “A China tem complicações, é um país muito hermético, mas para controlar a energia, eles vão lá, falam com uma determinada indústria e desliga.”

Para Parente, a valorização das proteínas brasileiras vem sendo impulsionada pelas exportações à China. “Eu vejo uma certa competência, caso Lula vença, de melhorar a relação com a China. Não estou declarando voto, mas acho que os sinais indicam que ele vencerá.”

Não existe outro país capaz de atender a demanda de alimentos como o setor agro brasileiro sem derrubar nenhuma árvore, segundo Pedro Parente. Como contraponto, ele cita uma desorganização da produção por conflitos no campo.

Para Luis Stuhlberger, o gestor estrangeiro gosta do Brasil, apesar de ser um inferno trabalhista e tributário. Mas isso não importa para o estrangeiro. Ele ganha disputas judiciais, o Brasil não é hostil ao estrangeiro. “Caso haja qualquer aceno favorável do governo Lula, ele vira”, avalia. Mesmo assim, ele avalia ser necessário uma simplificação tributária, o que depende da credibilidade do governo e deve ser feito caso Lula vença a eleição. “O agro me perdoe, mas é muito pouco tributado”, comentou.

Em relação à preocupações com as pautas ambientais, sociais e de governança (ESG), a pauta veio pra ficar mas há muito discurso dos empresários, por causa da pressão da sociedade. “O capitalismo precisa olhar para os stakeholders, há uma parcela de empresários, não todos, que são mais discursivos”, opinou Parente.

Em relação ao tema, o gestor do fundo Verde (cor atribuída ao dólar, Palmeiras e ao meio ambiente) avalia que a humanidade tem capacidade de se adaptar a piora das condições, que apesar do impacto da crise internacional, os ativos estão performando bem, com dívida administrável e melhor que há seis meses atrás.

Analistas esperam forte disputa e provável segundo turno

A disputa presidencial está mais favorável para o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, mas deve caminhar para o segundo turno, a depender do comportamento do atual presidente Jair Bolsonaro, que tem a economia a seu favor. Mas, independente do vencedor, o eleito governará com bastante dificuldade para construir uma base governista e conquistar um eleitorado bastante volátil.

Essa é a avaliação dos cientistas políticos Lucas Aragão, CEO da consultoria política Arko Digital, e Silvio Cascione, diretor da Eurasia Group, que participaram do MKBR22, evento realizado pela B3 e Anbima.

“A eleição atual é o paredão do ódio. É muito comum ver presidentes que têm baixa popularidade porque os votos estão sendo para evitar algo do que para concordar”, disse Lucas Aragão, CEO da consultoria política Arko Digital, que cita a variedade de perfis dos últimos presidentes eleitos para explicar como o eleitor é aberto a diferentes propostas.”Os EUA nunca elegeram uma mulher presidente, como o Brasil.”

A eleição será definida no primeiro turno ou haverá quase um empate.

Para Silvio Cascione, da Eurásia, o cenário atual está melhor para o Lula, mas alguns fatores podem beneficiar Bolsonaro. “Primeiro, ele tem uma base forte. Segundo, os candidatos são muito conhecidos e o tema que mais desperta interesse é a economia, que está se recuperando mais rápido que o esperado. Ainda há cinco semanas, com um nível alto de estímulo, então, isso pode favorecer Bolsonaro. Se ele demonstrar mais empatia, pode reverter o cenário para o lado dele. Um discurso mais empático às mulheres e à economia, pode favorecer o Bolsonaro”, avalia.

Silvio acha difícil antecipar o voto útil e pondera se ele já não está nas intenções de voto para Lula. Isso dificulta uma vitória no primeiro turno. Ele também acha difícil prever o impacto das abstenções.

Lucas Aragão cita pesquisa da Atlas/Intel para Arko que já mostrou que o voto útil está com Lula e que a eleição deve ir para o segundo turno.

Em relação às abstenções, o analista afirma que não dá para ver a relação com a renda nas pesquisas. “As mais qualificadas, como Datafolha, indicam que abstenção preocupa. O Poder Data indica que o eleitor do Lula é menos engajado que o do Bolsonaro. Mas isso pode se reverter de um turno para o outro.”

Em relação a um eventual questionamento do resultado, os analistas avaliam que isso não vai impedir que o próximo governo ocorra.

“Pode haver turbulência, mas o avião vai pousar, o candidato assumirá e o país será governado”, opina Aragão. “Bolsonaro pode questionar mas não há fôlego para que isso se torne algo maior. Vira manchete, faz os investidores estrangeiros questionarem, mas não vai ter novo governo”, opina Aragão.

Para Silvio Cascione, esse clima turbulento favorece a radicalização e a ocorrência de eventos mais extremos, como bloqueios de rodovias. “Pode ter efeitos secundários, mas, como houve nos EUA, ter consequências mais graves, como pessoas morrendo no parlamento. Mas em seguida, isso gerou mais apoio ao novo governo. No Brasil, hoje pode estar tranquilo, mas a longo prazo, a falta de representatividade democrática pode gerar eventos mais sérios.”

Engajamento

Aragão avalia o Brasil como um eleitorado volátil, que dá chances para novas propostas, mas que há um amadurecimento, principalmente do bolsonarismo, que ele prevê que seja duradouro. “Por outro lado, ele não tem um partido forte, mas tem um público fiel, que deve continuar apoiando.”

Para Cascione, apesar do Bolsonaro estar levando muita gente para rua, o PT também tem feito o mesmo. “O que explica a diferença é que, além do fato das imagens serem tiradas pelas campanhas para convencer o eleitor, o bolsonarismo é muito engajado e leva um público de classe média, que é mais propenso a ir para esses eventos de rua”.

Para Aragão, o engajamento do eleitor do Bolsonaro é muito forte, mas a urna não percebe sentimento e o vencedor da eleição pode ser alguém que não engaje tanto, mas tenha mais votos.

Por outro lado, a esquerda está em desvantagem pois não renovou seus quadros, confia no mesmo candidato há muitos anos, o que pode prejudicá-la a longo prazo. Mas isso também dependerá do sucesso de um possível novo governo.

Além disso, a governabilidade dependerá de muito consenso, haverá muito embate com o legislativo, na sua visão.